sábado, 18 de abril de 2015

ORAÇÃO


Deus a proteja e guarde desta alma que vem das profundezas do meu corpo, arrastando correntes em chamas, com a sede dos purgatórios e a fome de mil criaturas malditas para consumi-la, carne, ossos, espírito, até roubar-lhe a força no gozo, num grito ou por assombro.

Deus a proteja e guarde da penetração destes olhos perdidos madrugada afora, capazes de usurpar as frestas mínimas de um vestido comportado, salivar nos mamilos e nutrir-se de leite proibido para construir, pelo em pelo, um sulco de arrepio do pescoço à orla do umbigo.

Deus a proteja e guarde desta língua ensandecida que alimenta planos mirabolantes de invadir o labirinto dos seus ouvidos com um batalhão de propostas sujas, versos imprudentes e segredos cínicos quais o apetite lascivo de quando se deita o fogo à pólvora.

Deus a proteja e guarde do olfato desta ovelha criada em pele de lobo, ávida por desnudar os acordes dos perfumes e as sensações dos rastros, de modo que, nem por milagre, haveria esconderijo necessário em que não toquem os meus dedos o aroma lúbrico de suas coxas.

Deus a proteja e guarde da imaginação deste cronista maldito, herdeiro das alucinações do tempo e das ribanceiras dos rios, que constrói amores com migalhas de sorrisos fortuitos, pinta, borda e some nos enredos das amantes inventadas que se fingem sem saber.