sexta-feira, 30 de abril de 2010

“Vinde a mim as criancinhas”



Nada desde a Reforma Protestante liderada por Martinho Lutero, no século XVI, abalou tanto a Igreja Católica quanto as denúncias de pedofilia que pipocam mundo a fora, envolvendo padres, monsenhores e bispos. Até o papa Ratzinger, do alto de sua santidade, entrou no tirinete, acusado de proteger sacerdotes envolvidos em abuso de crianças.

A Santa Madre vem perdendo fiéis em massa, enquanto outros segmentos do cristianismo ampliam seus rebanhos. Na Alemanha, a dispersão é descrita como algo “dramático”. Cerca de 1.400 indivíduos deixam o catolicismo, por mês, somente no Estado Livre da Baviera, cuja capital é Munique, indignados com aquilo o que chamam “traição do clero”.

Os dados estão no jornal Frankfurter Rundschau e nos foram repassados via Twitter pelo mossoroense Max Rodrigues, morador de Düsseldorf. A canção do momento, diz ele, é “Losing my religion”, algo como “Perdendo minha religião”, do grupo americano R.E.M., musiquinha de dor de cotovelo, realmente adequada à ressaca moral dos ex-devotos.

A Universal do Reino de Deus é quem mais fatura no Brasil, com apoio dos veículos integrantes da Rede Record, presentes em vários países. Bispo Edir Macedo, o contínuo da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) que virou milionário, dono de igreja e magnata das comunicações, é fera no marketing religioso e bate sem dó nos adversários.

A estratégia dos líderes apostólicos romanos, ao revés, é péssima. Pedir desculpas esfarrapadas não alivia a dor das vítimas, não lhes atenua os traumas, a vergonha, a revolta. A pedofilia é tão grave quanto as monstruosidades da Inquisição, o antissemitismo e a evangelização forçada de povos dominados, violações reconhecidas por João Paulo II.

Sabe-se que os criminosos de batina estão em minoria, a não ser em Arapiraca-AL, onde todos desvirtuavam o “Vinde a mim as criancinhas”. Ocorre, no entanto, que essa minoria é bem distribuída e muito empenhada em descarregar suas perversões, com potencial para produzir sérios estragos à honra dos padres de fé em Deus e vergonha na cara.

sábado, 24 de abril de 2010

Os elefantes verdes de Pirá



Trazia em minhas lembranças a certeza de que Pirá morrera de morte matada, vítima de latrocínio, mas o poeta Francisco Nolasco, no livro Grãos de Areia, afirma que isso não procede. Segundo ele, o “mecânico pinguceiro” de Tibau “morreu com problemas advindos do álcool”. Nolasco deve estar certo, pois conhecia bem o falecido, a ponto de saber o nome dele por completo, coisa que pouca gente sabe. Valdir Campos de Jesus era a graça dessa figura interessante, cujo tira-gosto preferido, durante as cachaçadas no bar de Seu Manoel Moreira, era papel de embrulho.

Raras vezes encontrei Pirá de Jesus em estado de sobriedade. Na maior parte do tempo, o sujeito estava movido pelos vapores do álcool. Numa fase avançada do alcoolismo, dizia ver elefantes verdes saindo do mar, nas imediações da Pedra do Ceará. “Não ando mais praqueles lados, de jeito nenhum, porque estou morrendo de medo dos elefantes”, contou ele no alpendre da casa de meu avô, para espanto da meninada que, mesmo conhecendo histórias ainda mais fantásticas, como as aventuras de Tidó e de Ananias, não deixava de se encantar com novas assombrações do universo tibauense.

Sempre que avisto a Pedra do Ceará ou a ela faço referência, lembro-me da história dos paquidermes, tão verdadeiros quanto as eternas naus dos sonhos vindas de Oropa, França e Bahia. Meus filhos sabem-na de cor e salteado. Há quem pergunte: “E por que os elefantes eram verdes?” O detalhe de eles emergirem das águas rasas de Tibau tornou-se secundário. O fato é que os bichos poderiam aparecer em todas as cores do mundo nas viagens psicodélicas de Pirá, porque no surrealismo das alucinações e dos sonhos, os elementos se misturam livremente sem rogar ou sugerir explicações.

Não há nada estranho no fato de alguém ver elefantes verdes saindo do mar. Vez por outra, no Rio Grande do Norte, alguém inebriado por falsas perspectivas de poder e glória surge de braços dados com a mosca azul. É normal, pode acontecer em todas as partes e com qualquer pessoa que tenha na mente uma razoável tendência à megalomania, a exemplo da bruxa Mambi, que em “O Regresso ao Mundo Mágico de Oz” pretende destruir a cidade dos ladrilhos amarelos com uma manada infernal de elefantes verdes, primos legítimos das moscas azuis dos pretensos donos do mundo.

Os elefantes verdes de Pirá nada tinham com os de Mambi nem muito menos eram parentes das moscas azuis. Na hora em que deixavam o reino das águas, faziam-no a passos lentos, com barritos alegres que, embora altos, apenas o mecânico bêbado percebia nas noites silenciosas de Tibau, ainda livres da parafernália sonora dos carros que hoje disputam o controle do Centro. Os elefantes de Pirá não agrediam nem alimentavam vaidades sinistras, queriam simplesmente fazer parte daquele mundo imaginário, tanto é que, depois da morte do amigo, eles nunca mais apareceram a ninguém.

sábado, 3 de abril de 2010

As maravilhas da casca da ameixeira



Sábado é dia de jogar conversa fora nos sebos de Natal, de preferência degustando cachaça de cabeça, numa espécie de preparação para a meladinha do Bar do Nasi e outras iguarias do Beco da Lama.

Os sebos natalenses, além do engasga-gato para clientes especiais e do prazer da compra de livros velhos empoeirados, possibilita o encontro com figuras variadas, inclusive com eloquentes filósofos populares.

Conversa-se de tudo nesse espaço, desde as bobagens da política local, ilustrada por rachas e traições, a assuntos sérios, como a arte de se dar nó em pingo d'água para se fazer cultura no Rio Grande do Norte.

Num desses sábados, lá estava eu, vasculhando as estantes do Sebo da Praça, em busca de novidades na seção de literatura brasileira, enquanto ouvia dois homens conversarem sobre as maravilhas da casca da ameixeira.

- Como vai seu filho. Ele ficou bom daquela cirurgia que não cicatrizava?

- Ficou, mas não pelas mãos dos médicos. Foi a casca da ameixa - santo remédio! - quem devolveu a saúde do menino.

- E como isso funciona?

- Bom, você precisa tirar a casca do pau vivo, colocar de molho e, depois, ficar lavando a ferida com a água.

- Certeza de que esse negócio dá certo, sem antibiótico, sem nada?

- O quê, meu amigo, a água da casca da ameixa é tão forte, mas tão forte, que se você lavar a vagina de uma virgem, ela lacra na hora.

Foi aí que outro frequentador do sebo, em silêncio até então, largou o livro que estava lendo para intervir na conversa:

- Pelo amor de Deus, fale baixo, pois se as raparigas das Rocas descobrem isso, vão cobrar mais caro dizendo que são donzelas.