sábado, 27 de novembro de 2010

Flatulência no local de trabalho



O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região decidiu: “Impossível validar a aplicação de punição por flatulência no local de trabalho, vez que se trata de reação orgânica natural à ingestão de alimentos e ar, os quais, combinados com outros elementos presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo, que o organismo necessita expelir, via oral ou anal”.

Traduzindo o juridiquez contido no acórdão nº 20071112060, referente ao processo nº 01290200524202009, originário da cidade de Cotia-SP, tem-se que a Justiça brasileira reconhece – e garante! – o direito de o trabalhador liberar ventosidades anais no local de trabalho, inclusive em ambientes climatizados, pois arrotar e soltar puns são necessidades orgânicas inadiáveis do ser humano.

Para o juiz relator, “Estrepitosos ou sutis, os flatos nem sempre são indulgentes com as nossas pobres convenções sociais”. Lembra que “Disparos históricos têm esfumaçado as mais ilustres biografias” e cita Dom Pedro II entre os peidões ilustres, embora, no caso imperial, conforme Jô Soares, no “O Xangô de Baker Street”, houvesse uma espécie de dublê de bufa a fim de assumir a culpa.

A novidade me foi contada, via mensagem eletrônica, por Rogério Dias, artista plástico, publicitário, poeta e o único professor de datilografia remanescente. Interessei-me pelo assunto, lembrando-me de um acontecimento na redação do O Mossoroense, que até virou crônica do jornalista Leonardo Sodré, e fui conferir a autenticidade do texto no sistema do TRT-2, com sede em São Paulo.

A atitude não foi de desconfiança em Rogério, que gentilmente repassou aos amigos a história que lhe fora enviada por alguém, mas por saber que a Internet é terreno fértil para todo tipo de piada. Outra coisa: era preciso extrair a jurisprudência de fonte oficial para inibir, com maior eficiência, a sanha demissionária contra nosso colega de redação indicado por Sodré como maior suspeito.

Quero também me resguardar, caso me veja diante de alguma dessas necessidades orgânicas inadiáveis. Algo deveras salutar depois de um dia inteiro à base do chazinho de boldo com camomila feito por Cristiane, nossa assessora sênior de nutrição e higiene, na tentativa de reduzir o excesso de cafeína ingerido por repórteres e redatores, com ou sem formação acadêmica em jornalismo.

Brochei (ato de pregar com brocha) o acórdão no mural e quero ver se um dos chefes terá o desplante, a ousadia, de demitir qualquer de nós por overdose de boldo. Isso, sem desconhecer, na festejada decisão, a ressalva de que “A imposição dolosa, aos circunstantes, dos ardores da flora intestinal, pode configurar, no limite, incontinência de conduta, passível de punição pelo empregador”.

sábado, 20 de novembro de 2010

Mate um nordestino



Difícil compreender a humanidade. Mesmo o cronista, devotada à observação das pessoas, sente dificuldade em decifrar certas criaturas. A estudante de Direito Mayara Petruso complica essa tarefa ao alardear a ideia de que nós, nordestinos, não somos gente e que devemos ser afogados para o bem de São Paulo. Tudo porque, no entendimento dela, o Nordeste elegeu Dilma Rousseff (PT) presidenta.

As seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Pernambuco e do Ceará querem que a moça responda pelos crimes de racismo e de incitação ao crime. A OAB de São Paulo, onde a dita cuja se inscreverá, caso termine o curso e passe no exame específico para aquele fim, endossa o pleito das coirmãs, afirmando que não se pode tolerar racismo, xenofobia, preconceito nem intolerância.

Mais importante do que as opiniões institucionais é a reprovação social a gestos medonhos dessa natureza. Os brasileiros, exceto os partidários do neonazismo, repudiaram em peso a atitude. Daí, acossada por críticas oriundas de todos os recantos do País, a própria autora apagou as mensagens ofensivas, que estavam no Twitter e no Facebook, excluindo seus perfis dos brinquedos virtuais da moda.

Pobre moça que nos odeia sem ao menos conhecer-nos. Talvez até seja descendente de um de nós e se afogue conosco na limpeza étnica sugerida. Francamente, sinto muita pena, porque na juventude todos cometemos erros e alguns nos marcam para a vida inteira. Quando amadurecer, Mayara Petruso ainda carregará no rosto, como que tatuado na testa a ferro e fogo, o eco das palavras irrefletidas.

Sou nordestino da cabeça chata, do pé rachado e de sotaque carregado, nascido no sertão de Mossoró-RN à margem setentrional de um rio seco. Votei em Dilma nos dois turnos, sem medo de ser feliz nem de ser assassinado por lunáticos separatistas. Gosto de São Paulo, onde estive por várias vezes; de sua noite, que sacia meus desejos; e de seu povo, que sempre me acolheu com todo carinho.

Não mudo de opinião nem que a jovem “tucana” ou qualquer outra criatura de mentalidade xenófoba volte a escrever baboseiras, afirmando que devo ser morto por minha origem e meu pensamento político. Essa gente faz parte de uma minoria que se nutre de raivas idealizadas, sem perceber que, assim como diz o poeta Jorge Luís Borges, odiar alguém é se tornar “de algum modo o seu escravo”.