sábado, 27 de fevereiro de 2010

Poesia e música



Em Vinicius de Moraes, poesia é irmã de samba, ambos feitos das “lágrimas do tempo e da cal do meu dia”. Simbiose perfeita, relação sem culpas. Fagner fez bem aos Motivos, de Cecília Meireles, entoando “Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa./ Não sou alegre nem sou triste: sou poeta!”


O grande João Cabral de Melo Neto dizia não possuir gosto pela música, com exceção do frevo pernambucano e do flamenco. O som dos versos, segundo ele, tem “dicção diferente, que não é cantável”. Musicar um poema, afirmava, só aumenta a propagação da escrita, a sua divulgação, sem acréscimos às ideias.


Com Morte e Vida Severina, a coisa é diferente, apesar das dificuldades declaradas por Chico Buarque de Holanda. A obra cabralina, feita igual “pedra de nascença” que “estranha a alma”, ganhou dimensão lírica na melodia. “Essa cova em que estás,/ com palmos medida,/ é a cota menor/ que tiraste em vida...”.


Tenho três experiências, todas positivas. Genildo Costa, aquele que faz os bares de Grossos se abrirem sorrindo, pegou um poema livre e um soneto cometidos por mim, sem qualquer valor literário, e os transformou. O Sertanejo, título daquele, Dores e Amores, o deste, ganharam imagens que não tinham.


Agora vem outro Costa, o Paulo, sobrinho de Tico da Costa, que não é parente de Genildo Costa, e faz a surpresa: música para Eu de Manhã. O poemeto desengonçado, escrito numa noite em que me achava insuportavelmente amanhecido, ficou parecendo poesia verdadeira. Milagre de Paulo. De São Paulo!


Agradeço a generosidade, reconhecendo o desafio enfrentado na árdua tarefa de juntar palavras do lixo e as transformar em arte, por suas vozes e instrumentos. Sou péssimo poeta, mas ser péssimo poeta é melhor do que ser nada, especialmente se existem amigos capazes de remediar nossa ausência de talento.


Para ouvir, acione o link Eu de Manhã - Cid Augusto/Paulo Costa

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Hino ao amor



Tanto o original francês “Hymne à l’amour”, de Marguerite Monot e Édith Piaf, quanto a versão brasileira “Hino ao Amor”, de Odair Marzano, imortalizada por Maysa e Altemar Dutra, responde àquela pergunta feita pelo padre aos nubentes: “Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?”.

O espírito ultrarromântico da composição, com mais erres depois da reforma ortográfica, destoa, no entanto, do pragmatismo do legislador tupiniquim, especialmente a partir da segunda metade do século XX. O Código Civil, não obstante os deveres do art. 1.566, entre eles fidelidade recíproca e mútua assistência, abandonou a utopia da eternidade matrimonial.

Depois de tornar possível o divórcio cartorial, inexistindo filhos menores de idade e guerra pela divisão dos bens, e à véspera do divórcio pela Internet, o Direito de Família deixou de caminhar no compasso do “Hino ao Amor”, com os belos versos: “Quando enfim a vida terminar/ E de um sonho nada mais restar/ Num milagre supremo/ Deus fará no céu eu te encontrar”.

A lírica do Livro IV da lei civil é o “Soneto de Fidelidade”, de Vinicius de Moraes, com parâmetro contrário à fantasia dos amores eternos. Ao proclamar “Que não seja imortal posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure”, o poetinha, com seus nove casamentos, alerta para o fato de que o amor pode morrer, igual à dor tão velha do samba de Chico Buarque.

Sepultado o amor, da matéria orgânica em que seu corpo de luz se transforma, nutrem-se problemas. Aí, em lugar do “Não importa os amigos,/ risos, crenças e castigos,/ Quero apenas te adorar!”, muitas vezes entram em cena, no palco do Direito de Família, ante testemunhas, advogados, promotores e juízes, inimigos sonhando ver um ao outro no quinto dos infernos.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Fogo amigo pela culatra



O clima é péssimo entre os grupos da senadora Rosalba Ciarlini Rosado e da prefeita Maria de Fátima Rosado Nogueira, especialmente após os acontecimentos da última semana. Todos sabem, os chefes azuis dos amarelinhos detonaram a rosa vermelha, acusando-a de patrocinar insultos à correligionária dengocrática, com recursos do Senado Federal.

No meio da polêmica, o jornalista Carlos Santos, dono da Herzog Comunicação e Assessoria LTDA, bem assim autor da Coluna do Herzog, hospedada no endereço www.blogdocarlossantos.com.br. Ele, segundo assessores palacianos, recebe dois mil contos mensais da senadora para ofender a burgomestra e, de lambuja, familiares dela e secretários municipais.

A estratégia, cá pra nós, é um desastre do ponto de vista político, podendo representar a morte súbita dos smurfs, já a partir do resultado das eleições deste ano. O líder de traquejo, de bom-senso, entrosado no ramo, vai direto ao ponto, sem intermediários, sem ofensivas públicas, consciente de que, havendo excesso de pólvora, o fogo amigo sai pela culatra.

A esquadrilha azul, ordenada por expoentes fafazistas, tem outro raciocínio e segue ministrando remédio amargo garganta abaixo daquela que os colocou e os reconduziu ao poder. Embora o marido da prefeita seja médico e ela enfermeira, ambos renomados, ninguém se ateve a consultar a bula do medicamento para se informar acerca de efeitos colaterais.

O primeiro deles é a tripla resposta de Rosalba: 1 – sabe quem está por trás das dúvidas lançadas sobre o uso da verba indenizatória de seu gabinete no Senado Federal, 2 – não dá a mínima para os ataques e 3 – perde o apoio da criatura, mesmo sofrendo a tristeza inerente ao criador traído, e não suspende de jeito maneira o contrato com Carlos Santos.

O segundo é o desgaste da nossa imagem. A veiculação de desaforos, com o incremento – ou seria excremento? – de frases injuriantes e palavrões intranscritíveis, numa explosão de ódio por encomenda, ofende a inteligência do leitor e depõe contra toda a seara midiática. Agressões travestidas de jornalismo não condizem com a história libertária de Mossoró.

Não sou corporativista nem palmatória de seu ninguém, até porque o errado talvez seja eu. Defendo a postura crítica da sociedade frente aos jornalistas e destes em relação à própria categoria, mas com maturidade para manter os pés nas estribeiras e coragem para assumir vínculos de amizade e parentesco, simpatias pessoais e conjunturas econômicas.

Antes de me despedir dos que sobreviveram aos parágrafos anteriores, chamo atenção para o elemento de maior gravidade na peleja entre a “perfeita” e a dona do céu. Refiro-me, entristecido, à perseguição despudorada dos governantes citadinos a veículos de comunicação e trabalhadores do ramo que não rezam pela cartilha de Papai e Mamãe Smurf.

Somem-se aos ataques a Carlos Santos, objetivando atingir a Rosa de Ravengar, episódios de arapongagem e falsificação de provas. Lembremo-nos das ofensas ao repórter Bruno Barreto, a tentativa de fechamento de nosso único canal de TV aberta, no estilo Hugo Chávez, e a pressão para afastar os anunciantes da revista “Papangu”, de Túlio Ratto.

Desde junho de 2007, a prefeitura não anuncia no “O Mossoroense”, jornal mais antigo e mais lido da região, nem na “FM-93”, líder de audiência há duas décadas. Além disso, recusa-se a honrar dívida contraída anteriormente ao boicote, na vã esperança de inviabilizar as empresas integrantes da Rede Resistência, que sobrevivem sem favores oficiais.

Bom, preciso sair para tomar cana com tira-gosto de romã na mansão intergalática de Laércio Eugênio, ouvindo vinis de Chico Buarque, Pink Floyd e Bartô Galeno, mistura típica do Carnaval dos doidos por sossego. E se Affonso Romano acertou ao dizer que Momo dilui a rebeldia, o pastoril ensaiará quarta-feira, espalhando as cinzas do arranca-rabo.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

“Pogréssio, pogréssio!”



“Mossoró cresceu, só não vê quem não quer”, diz o velho “silogan” com o qual, meio constrangido pela cegueira de até anteontem, passo a concordar sem pedir reservas. Mudei, todos mudam, nada errado em mudar, em ser tanto quanto Raul Seixas, a metamorfose sobrepondo-se às opiniões formadas sobre tudo, inclusive aquilo que os Demônios da Garoa chamam “pogréssio”.

O causador dessa mudança radical é um panfleto. Isso, um volantezinho de papel cuchê no qual, sobre as metades verticalmente divididas por lençóis, vermelho o da esquerda, preto o da direita, estão duas senhoritas trajadas de lingerie. São garotas de propaganda ilustrando o anúncio da reinauguração da firma cujo nome o departamento comercial me proíbe mencionar.

Recebi-o ali, no Centro, esquina do Pax, a exemplo de muitos transeuntes. George Lumier, ao dar feições arquitetônicas ao cinema construído em primórdios dos anos 1940, certamente não imaginava a que ponto a cidade evoluiria nas décadas posteriores à exibição do clássico americano “Formosa Bandida”, faroeste de Irving Cummings, com Gene Tierney e Randolph Scott.

O “pogréssio” dos lugares se mede pela diversidade dos empreendimentos, sejam nativos ou extraterrenos, novos ou restaurados, industriais ou comerciais. Liberdade para criar mecanismos de elevação do próprio negócio ou do negócio alheio é coisa de metrópole. Nossa terra, acelerada, vive clima desvairado de pauliceia e se afirma na condição de polo-desenvolvimentista.

Os enredos são distintos, mas as formosas bandidas do panfleto, estimulantes naturais do crescimento, lembram anúncios vistos em Londres, Paris, Berlim, Nova Iorque. Coisa de primeiro mundo, eu quis dizer, revelando no município interiorano o espírito da metrópole. Estarei presente na cerimônia de reabertura da empresa. E entusiasmado, pois agora vejo tudo em Mossoró.