sábado, 20 de fevereiro de 2010

Hino ao amor



Tanto o original francês “Hymne à l’amour”, de Marguerite Monot e Édith Piaf, quanto a versão brasileira “Hino ao Amor”, de Odair Marzano, imortalizada por Maysa e Altemar Dutra, responde àquela pergunta feita pelo padre aos nubentes: “Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?”.

O espírito ultrarromântico da composição, com mais erres depois da reforma ortográfica, destoa, no entanto, do pragmatismo do legislador tupiniquim, especialmente a partir da segunda metade do século XX. O Código Civil, não obstante os deveres do art. 1.566, entre eles fidelidade recíproca e mútua assistência, abandonou a utopia da eternidade matrimonial.

Depois de tornar possível o divórcio cartorial, inexistindo filhos menores de idade e guerra pela divisão dos bens, e à véspera do divórcio pela Internet, o Direito de Família deixou de caminhar no compasso do “Hino ao Amor”, com os belos versos: “Quando enfim a vida terminar/ E de um sonho nada mais restar/ Num milagre supremo/ Deus fará no céu eu te encontrar”.

A lírica do Livro IV da lei civil é o “Soneto de Fidelidade”, de Vinicius de Moraes, com parâmetro contrário à fantasia dos amores eternos. Ao proclamar “Que não seja imortal posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure”, o poetinha, com seus nove casamentos, alerta para o fato de que o amor pode morrer, igual à dor tão velha do samba de Chico Buarque.

Sepultado o amor, da matéria orgânica em que seu corpo de luz se transforma, nutrem-se problemas. Aí, em lugar do “Não importa os amigos,/ risos, crenças e castigos,/ Quero apenas te adorar!”, muitas vezes entram em cena, no palco do Direito de Família, ante testemunhas, advogados, promotores e juízes, inimigos sonhando ver um ao outro no quinto dos infernos.

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