terça-feira, 22 de setembro de 2015

LEITURA



A leitura é um ato de subversão da alma. Quem lê transcende o senso comum, avalia melhor a realidade e desenvolve a perigosa capacidade de questionar. Não à toa, as ditaduras decidem o que os cidadãos podem ler, como se lhes colocassem daquelas viseiras de burro de carroça.

Na Idade Média, a literatura proibida era trancafiada em mosteiros idênticos ao edificado por Umberto Eco, em O Nome da Rosa, onde o monge cego Jorge de Burgos envenenou páginas de um livro, causando sete mortes, incluindo a própria, no balanço das trombetas do Apocalipse.

O Brasil ainda vive a Idade das Trevas. Em 2012, a pesquisa Retratos da Leitura revelou queda de 9,1% na quantidade de leitores, no período de quatro anos. Estranho contraponto à proliferação de cursos universitários e à propaganda sobre a diminuição do analfabetismo.

Mossoró – nossa pátria amada, idolatrada, salve! salve! – não raro dá vexame nos eventos literários, embora seja capital intergalática da cultura, chocadeira de intelectuais, criadouro de poetas, sementeira de academias, berço de bravas editoras com milhares de obras publicadas.

Faz lembrar Vingt-un, quando, entristecido com o malogro dos lançamentos realizados na cidade, fez os cálculos e perguntou no título de uma plaquete: “Em que estrela andam os 9.855 universitários da cidade de Mossoró e os seus 469 professores nas noites de autógrafos?”

De modo geral, o desinteresse decorre do tratamento elitista e esnobe que se dá à leitura nas instituições de ensino, a começar pela imposição de textos impróprios à capacidade cognitiva dos alunos, uma bruta sacanagem que leva o indigitado a pensar que não nasceu para aquilo.

Quem foi exposto a Herman Melville aos 10 anos de idade e obrigado a ler, em letras mínimas, as 635 páginas de Moby Dick, sabe do que escrevo. O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, é ar-re-ta-do, mas não para crianças dessa faixa etária, exceto talvez as superdotadas.

Adultos que não têm o hábito da leitura também não devem começar – ou recomeçar – por livros complexos nem se aventurar por assuntos que não lhes interessem. De outro modo, o que deveria ser prazeroso, um instrumento de libertação da mente, vai se converter em tortura.

Joyce, Dostoyevsky, Kafka, Flaubert, Virgínia Woolf, todos autores da melhor qualidade, para quem aprecia os seus respectivos estilos. Impor gostos particulares à coletividade e infligir letras iguais aos diferentes são formas de tirania num jogo repulsivo de dominação cultural.

Por isso, tire o seu Tolstói do caminho que eu quero passar com a crônica de Dorian, o conto de Jaime Hipólito, as 20 linhas de Antônio Rosado, o jornalismo de Emery Costa, o cangaço de Kydelmir, a poesia ferina de Rogério Dias, a historiografia de Raimundo Nonato e de Raibrito.

Quero mais a liberdade dos versos de Caio Muniz e Genildo Costa, a precisão das metáforas de Marcos Ferreira e Everaldo Botelho, a verve de Nildo da Pedra Branca, o cordel fantástico de Antônio Francisco, a lírica fescenina de Laélio Ferreira, as memórias de Chico Rodrigues.

O que digo e desejo, com a paixão de quem junta livros há anos, é poesia para quem é de poesia, prosa para quem é de prosa, pois literatura boa é literatura com a qual o cabra se identifica. Seja clássica ou popular, de Moscou, Paris ou Rabo da Gata, a leitura só presta se der tesão.

sábado, 5 de setembro de 2015

TERNURA




Depois de batizado em alto-mar,
Vez em quando despenco no abstrato
Em que mergulho só pra respirar
A perfeita ilusão do amor barato.

Quem olha o rosto não o reconhece
– Ninguém o vê, ninguém sabe de mim –
Entre os balcões do velho botequim
Onde depois da noite é que anoitece.

Nem mesmo aos copos sobra meu reflexo
Que se turva entre o malte e o puro sexo
Das santas habitantes desses mares.

Elas oram por nós, por sermos ternos,
Nos pecados à sombra dos altares,
Nas virtudes à luz de alguns infernos.