sábado, 29 de agosto de 2009

“Where is Belchior?”



O sumiço de Belchior repercute até na Inglaterra. O jornal britânico “The Guardian” abriu espaço para artigo de seu correspondente no Brasil, Tom Phillips, sobre o cantor cearense que, desde 2007, anda supostamente se escondendo dos fãs, dos empresários e da família. O texto se baseia em matéria do “Fantástico” de domingo último, acrescendo repercussões do episódio na Internet.

Tive curiosidade de entrar na página virtual do periódico. Lá estava, reportagem grande, com direito a ilustração fotográfica e tudo o mais, sob o título “Where is Belchior? Mystery as Brazilian musician vanishes without trace” ou, em tradução de fundo de quintal para a língua de Camões, “Onde está Belchior? O mistério de como músico brasileiro desapareceu sem deixar pistas”.

O jornalista o trata como um dos mais queridos compositores do País, interpretado por figuras do naipe de Gil, Elis e Roberto. No Orkut, diz o periodista, existe a comunidade “Onde está Belchior”, subscrita por cerca de cinco mil navegantes aflitos, na qual se especula, inclusive, que ele haveria se recolhido para verter a “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, do italiano para o português.

O sumiço de Belchior, aliás Antônio Carlos Gomes Belchior, é comparado ao de um tal Ritchie Edwards, guitarrista da banda “Manic Street Preachers”, que abandonou o carro próximo a uma estação ferroviária no Reino Unido. “Pregadores Maníacos das Ruas”! Diacho de nome lindo, nada a desejar às nossas aclamadas “Lagartixa com Torci-colo”, “Kabaço Molhado” e “Chibata Preta”.

Estresse, frescura, amor novo, golpe de marketing para voltar aos noticiários, exílio voluntário, ócio criativo? As teorias – mais interrogações do que hipóteses na exata dimensão do termo – são variadas e pipocam na rede. Dizem que ele andou lendo “Onde Andará Dulce Veiga?”, obra de Caio Fernando Abreu em que uma cantora abre mão da fama e se dedica à vida contemplativa.

Ótimo livro. Recomendo. A busca por Dulce Veiga é, na verdade, a busca por si empreendida por um repórter sem nome, protagonista dessa história pós-moderna, isso na classificação da crítica. Só para chatear os “Manic Street Preachers”, vale dizer que Márcia Felácio, filha da estrela perseguida ao longo da trama, é a vocalista do grupo musical feminino “Vaginas Dentatas”.

Do mesmo modo que o herói da narrativa abreuniana, emissários do portal G1, das Organizações Globo, saíram à procura de Belchior, elaborando roteiro dos lugares pelos quais, segundo relatos, o dito cujo haveria passado. O material é enriquecido com imagens recentes do rapaz latino americano que tem medo de avião ao lado de admiradores e discursando num evento em Brasília.

Mentira! Complô de sósias fanáticos. O ídolo está aqui em Mossoró, acoitado no tronco do juazeiro que o poeta Caio César Muniz plantou há 509 anos, quando desceu da nau de Manuel Furtado no Santa Delmira. Noite dessas, na terceira garrafa de Papary, todos ouvimos Muniz e Toinho entoando, na raça: “Se você vier me perguntar por onde andei/ No tempo em que você sonhava (...)”.

sábado, 8 de agosto de 2009

Nossos intrépidos juízes



Talvez eu seja o jornalista da cidade que mais brigou com juízes de direito. Digo “brigou” no sentido de discordar, civilizadamente e por escrito, de decisões equivocadas, no meu entendimento de leigo. Canindé Queiroz, no auge de suas famosas contendas na Gazeta do Oeste, aconselhou-me a parar. Do mesmo modo, Antônio Rosado Maia e Marcos Araújo, dois brilhantes juristas, além de grandes amigos, tentaram me convencer dos perigos daquele comportamento. Nunca sofri retaliações, mas, segundo afirmam línguas venenosas, a Rede Resistência de Comunicação pagou o pato.

Isso faz muito tempo. A idade, os cabelos brancos, o cansaço, a artrite, a experiência, essas coisas modificam o cabra, transformando-o, quando não em galo de briga, num tremendo frouxo como este pobre coitado que vos escreve, aos barrancos e trancos, ainda tocado, se bem que de leve, pela espirituosidade do uísque da noite anterior. A polêmica, arremedando o bordão humorístico, não me pertence mais. Para dar ideia – esquisito escrever ideia sem acento – a última vez que caí na esparrela de enfrentar magistrados, dois ao mesmo tempo, deve haver para lá de quatro anos.

Gostou da “espirituosidade” do uísque? Aprendi essa curiosa expressão lendo os autos do processo instaurado em 1833, pelo “juiz de paz da Capela de Santa Luzia de Mossoró”, Domingos Oliveira, contra Longino Guilherme de Melo, primeiro mossoroense ordenado padre. O sacerdote respondeu por esfaquear Antonio Basílio de Sousa numa festa de casamento que ele, Longino, acabara de celebrar. A cada testemunha chamada a depor, o meritíssimo perguntava se o reverendo se encontrava “espiritualizado do vinho”. Ótimo, a partir de agora não admito ser rotulado de bêbedo.

Longino, que bebia, namorava na casa paroquial, tentou matar o pai e estuprou a sobrinha, também não se dava com juízes. Mandou até assassinar um deles, o alferes Alexandre de Sousa Rocha, para impedir abertura de processo contra si e seus capangas, por homicídio. O plano falhou, em parte: sobrevivente, o árbitro resolveu fazer vista grossa às traquinagens do padre cangaceiro, sobre o qual há poucos registros, dada a censura imposta pela Igreja. O de maior importância, escrito por Francisco Fausto e impresso em mimeógrafo por Vingt-un Rosado, é coisa raríssima.

Arremato o assunto admitindo que, depois de tanto tempo e de tanta arenga, voltei ao convívio forense na condição de estudante de direito, trazendo na mente a velha e equivocada máxima segundo a qual todo juiz é culpado até prova em contrário. Depois de acompanhar dezenas de casos, mudei a visão sobre nossos intrépidos julgadores. A maioria deles é de pessoas honestas, de boa índole, preocupadas em aprender, em se reciclar e em promover a lei com justiça e respeito ao cidadão, embora a “juizite” persista na mentalidade tacanha de figurinhas imbecilizadas pela toga.

domingo, 2 de agosto de 2009

Diploma de jornalista



Aqui estou, a exemplo da vez passada, escrevendo sobre jornalismo. Juro de pés juntos, mãos postas e olhos rútilos virar o disco na próxima semana, mas, agora, sinto a necessidade de meter o bedelho na polêmica acerca do fim da exigência de curso superior específico para o exercício da profissão de jornalista.

E o faço instigado pelo debate promovido dia 22 passado, na TV Mossoró, pelo apresentador, animador de auditório, dançarino, escritor, doutrinador, professor e juiz de Direito Herval Sampaio Júnior, no terceiro aniversário do “Conheça seus Direitos”, programa líder de audiência e de grande credibilidade.

Percebi nas falas de dois dos debatedores, bem como em participações do público, o reflexo da confusão feita em toda parte, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), quando desregulamentou a profissão, no tocante a duas coisas diferentes: a prática de uma atividade técnica e a liberdade de expressão.

A exigência de diploma – e nisto não vai nenhuma posição sobre o tema – abrange tão-somente funções como as de repórter e editor, sujeitos instruídos com objetivo de apurar, selecionar e divulgar fatos, processo denominado por alguns de “fazer jornalístico”, fundado em critérios técnicos específicos do ramo.

A liberdade de expressão, consagrada nos artigos 5º, inciso IX, e 220 da nossa Carta Magna, não se agiganta nem se apequena diante do diploma, que nunca se fez muro entre a sociedade e a mídia. Defender o contrário, com todo respeito aos discordantes, é sinal de desconhecimento ou de lamentável má-fé.

A lei esmagada pela maioria absoluta dos ministros do STF deixava portas e janelas escancaradas para qualquer cidadão manifestar seus pontos de vista em qualquer veículo de comunicação, responsabilizando-se, obviamente, pelos excessos. Para se ter idéia, não atingia, nem de longe, articulistas e colunistas.

Além disso, o que muitos chamam reserva de mercado era algo relativo, porque se permitia a concessão de registro profissional a indivíduos sem formação acadêmica, nas cidades onde não existisse curso de jornalismo. Havia, para tanto, questões burocráticas ínfimas, como prova de conclusão do ensino médio.

Os membros dessa categoria, da qual fiz parte por aproximados12 anos, até me formar na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), denominavam-se “jornalistas provisionados”. Guardo, com orgulho e carinho, as anotações feitas pelo Ministério do Trabalho em minha surrada Carteira Profissional.

Cheguei menino ao O Mossoroense, em meados dos anos 1980, e dei muita cabeçada para aprender o pouco que imagino saber. Antes, acontecia assim, tornava-se repórter no dia-a-dia da redação, sem amparo teórico, inclusive pela falta de livros apropriados nas livrarias da cidade. Já hoje, com a Internet...

Os sem diploma representavam a maioria. O curso de comunicação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), no entanto, mudou o perfil do mercado, empurrando os diplomados para a dianteira, sem traumas, de forma natural. Ninguém foi expulso da função. Ninguém sequer foi substituído.

O motivo da mudança é simples e, a rigor, não tem a ver com a obrigatoriedade do canudo: os diretores perceberam que, na prática, é menos complicado treinar quem passou quatro anos ou mais estudando jornalismo do que investir em quem partirá da estaca zero, a não ser que este possua um excelente texto.

Sou contra a exigência do diploma, sem desconhecer a importância da academia na formação do comunicador. Se o sujeito é bom profissional tendo apenas a prática e alguma leitura complementar, o aprofundamento na esfera teórica e as reflexões acadêmicas dar-lhe-ão perspectivas científicas da coisa.

Perspectivas científicas? Pense noutra confusão braba, a do enquadramento ou não do jornalismo como ciência. Segundo minha mulher, defensora ardorosa da exigência do grau academicista, não basta saber redigir. Para ela, comunicação é ciência e o jornalista deve conhecer a fundo seus objetos de estudo.

O STF confundiu as bolas – muita gente boa também. O grave, por incrível que pareça, não é, novamente, a necessária ou dispensável passagem pelos bancos universitários para se ocupar de funções típicas de jornalista, e sim a total desregulamentação de um ofício de grande relevância na vida contemporânea.

Prescindência de diploma é uma coisa, desregulamentação é outra. A patota suprema, exceto Marco Aurélio, sob argumento fajuto, fez do jornalismo campo sem lei, tirando da sociedade instrumentos que, de certo modo, protegiam-na de práticas ruins. E olhe que ainda não falei do fim da Lei de Imprensa!