sábado, 14 de setembro de 2013

Alô, é o Papa!


O papa está telefonando aos fiéis. O Vaticano confirma, por exemplo, a ligação dele para uma jovem pecadora italiana grávida de um namorado desalmado que tentou forçá-la a abortar. Jorge Mario Bergoglio a tranquilizou e até se comprometeu em batizar a criança.

A Santa Sé registra que o pontífice igualmente levou palavras de consolo a certa vítima de estupro na Argentina e a determinado sujeito da cidade de Pesaro, Itália, cujo irmão foi assassinado. Nega, no entanto, contato com o sírio Bashar al-Assad e com um gay de Paris.

Desacreditem os homens de pouca ou de nenhuma fé, morram de inveja os fanáticos, regozijem-se os elevados de espírito, pois chegou a hora de revelar que também recebi o telefonema do Sumo Pontífice. Faz muitos anos, era sábado e todos na redação testemunharam.

Tudo começou com o sumiço de Edson Soares, grande jornalista, escritor, compositor, cantor, ator, à época assinando a editoria do "Caderno 2" do O Mossoroense, hoje "Universo" por inspiração de Emerson Linhares, diretor de jornalismo e programação da Rádio Difusora.

Trabalhamos até as duas da madruga e saímos certos de voltar às 10 horas para concluir a edição do domingo. Meio-dia, uma, duas, três horas. E nada de Edson. De repente, o telefone da redação toca. Atendo. Do outro lado da linha, o desaparecido balbuciava explicações.

Tentou sem sucesso, porque eu, emputecido, não deixei. Entendi apenas que havia sido teletransportado ou abduzido para Caicó, sua terra natal, a fim de ajudar um amigo em apuros com a mídia. Edson, para constar, é dos melhores assessores de comunicação do RN.

Minuto seguinte, outra chamada, e a voz grave: "Alô! Quem fala?". Respondi apenas "Cid". O interlocutor identificou-se: "Cid, aqui é o Papa!". Dei o goto e festejei: "Pronto, o Vaticano descobriu os milagres que venho fazendo na merda deste jornal e resolveu me canonizar".

A gargalhada do homem, marca registrada, deixou-me perplexo. Era mesmo o Papa, o "Papa Jerimum", como é conhecido o ex-governador Vivaldo Costa, à época prefeito caicoense, que intercedia para explicar a razão que o fez "sequestrar" meu editor em plena madrugada.

Amém!

sábado, 7 de setembro de 2013

TEORIA DO HOMEM TRISTE


Hoje, quero medir, saber quantas linhas um homem triste é capaz de escrever sem se envenenar, e sobre o que lhe sobra escrever sem autobiografar a teoria.

Homem triste!

Resto do resto, sobejo do nada, poema cafona, prosa desgrenhada, parceiro de porra nenhuma.

Homem triste!

Gota de veneno no mar de felicidade que transborda num brinde ao passado, abre aspas, maldito, fecha aspas.

Criatura monolítica, quebrantada em parágrafos, empachada de vírgulas.

De pontos. De vistas. De pontos. Cegos. De pontos. Mudos. De pontos. Moucos. De pontos. Insípidos. De pontos. Inodoros. Ponto.

Exclama tanto que soluça, perde a voz, engasga-se na confusão do lusco-fusco do texto meio noite meio dia.

Pergunta-se.

O que aconteceu entre nós, com sorte?

Quem deu o golpe fatal?

Quando virá a misericórdia?

Onde enterrarão a sombra do cadáver insepulto?

Como o diabo aproveitará uma alma em frangalhos?

A geografia do homem triste é uma ilha na lama.

Sua história, o mal do século, a hemoptise.

Homem triste!

Pulsos cortados, navalha de absinto, tédio, ódio, a puta que pariu, o corno que apanhou.

Aquele que vaga entre os vivos carregando o estandarte do purgatório.

O cafona, o ultrapassado que ouve Nora Ney cantar Antônio Maria: "Ninguém me ama/ Ninguém me quer".
Cansaço de tudo.

Cansaço.

Fim!

O túmulo do homem feliz.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Currículo de pescador


Minha vida tange a vela
da jangada navegante
em mar revolto.
Sou velho pescador,
mas nunca descubro,
ao romper
o horizonte das ondas,
se voltarei em breve,
tarde ou jamais.
E, em voltando,
se a pescaria
renderá peixe bom
ou apenas novas milhas
na lida das marés.
Aprendi ainda menino:
só calculo a pesca
quando as minhas mãos
engelhadas de água e sal
sonham, finalmente,
tocar a areia da praia.

Depois, então, eu acordo.