sábado, 16 de maio de 2015

INSISTA!


A culpa é da tecnologia. Sim, da tecnologia, essa senhora de engenhos virtuais que nasceu e se criou no quinto dos infernos, no ventre pecaminoso da preguiça, destinada a escravizar a humana raça com os grilhões do sedentarismo físico e, principalmente, mental. Coisa do capeta, do capiroto, do tinhoso, do coisa ruim, do cão. Há quem diga até “O Google é meu pastor, nada me faltará!”.

Cruz-credo! Ninguém memoriza endereço depois do GPS, número telefônico depois da agenda de celular nem se aprofunda nas coisas depois da didática miojo dos buscadores de Internet. Estes, por sinal, prometem satisfação absoluta em míseros três minutos, como se induzissem a uma ejaculação precoce em códigos binários que lambuza as coxas, mas não leva ao prazer de mesmo-mesmo.

O resultado é dantesco e também Beatriz queda-se impotente para nos livrar dos ciclos infernais da divina comédia da pós-modernidade. As pessoas, hipnotizadas pelas ondas feiticeiras do ChifreBook e do ChifrezApp, perdem hábitos simples e necessários, à espera de que máquinas lhes cumpram tarefas cotidianas básicas, a exemplo dos atos de levantar a tampa e dar descarga no sanitário.

Determinado amigo contou-me que, por pouco, não urina nas calças no toalete de certo restaurante chique. A coisa era tão automatizada – ar condicionado, exaustor, descarga, torneira, saboneteira, tudo eletrônico – que ficou diante do vaso, inerte, na expectativa de que uma mão eletrônica lhe abrisse a braguilha, sacasse, segurasse, sacudisse e devolvesse o guerreiro a seus aposentos.

Não à toa, as latrinas agora ostentam cartazes com instruções de uso, para que os filhos da tecnologia não negligenciem a higiene do local. Coisas do tipo: “Ao usar este banheiro: 1 - levantar a tampa ao urinar, 2 - cuidado para não urinar no chão, 3 - jogar o papel na lixeira, 4 - não jogar papel no vaso sanitário, 5 - ao usar dê descarga”. E complementa: “Manter sempre limpo, o próximo pode ser você”.


Inclusive nos banheiros aqui do jornal há decalques com dizeres parecidos. Nada comparado, no entanto, ao alerta impresso em fonte 48, letras em caixa-alta negritadas, exposto num dos mictórios do prédio do Ministério da Saúde, em Natal, destinado talvez a quem anda depositando joões-teimosos por aí: ATENÇÃO – DESCARGA DE BAIXA VAZÃO, APÓS SEU USO, VERIFIQUE SUA CONCLUSÃO. INSISTA!”.




sábado, 9 de maio de 2015

Quem é ateu e viu milagres como eu


De volta à Universidade Potiguar (UnP), onde me formei em direito, agora na condição de professor, fiz questão de visitar um dos locais prediletos dos meus tempos de estudante: a biblioteca. Lá, dirigi-me à sessão de letras, na qual sempre me surpreende a presença de Bakhtin. Quem, onde não há cursos nessa área, anda lendo Estética da Criação Verbal, um dos meus prediletos, para justificar tantos exemplares da mesma obra?

A novidade, contudo, foi me deparar com os Cem Poetas de Mossoró, coletânea organizada pelo vate Caio César Muniz, em que, por gentileza do amigo e colega de trabalho no O Mossoroense, compareço com um poeminha raquítico, de meia pataca, sem expressão que justificasse sua adição aos outros noventa e nove. É uma espécie de “obra” dentro da obra com o selo da Coleção Mossoroense, do mestre Vingt-un Rosado.

Mas tive sorte. Os versinhos tortos ganharam disfarce de linha reta no texto dedicado a mim por Antônio Rosado Maia, no livro achado na horizontal, indicando que ao menos o folhearam há pouco, enquanto outros padecem na espera vertical da prateleira. Grande Toinho! Não obstante o diminutivo do apelido, grande no físico, na moral, na coragem, na polêmica, na inteligência, agora em festa, feito criança, por receber Anabela.

Anabela Vicente Alexandre não era apenas a Anabela de Toinho Rosado, como todos a conhecíamos. Era um múltiplo, esposa, mãe de Dadazinha, advogada, artista plástica, versada em música e literatura, amiga incondicional, daquelas que sabem o momento e a forma de nos oferecer a palavra. Tenho o privilégio de haver convivido com ela e Toinho, em especial nos sábados etílico-culturais do Sertão Lusitano ou Sertão Verde, como queira.

“Quem é ateu e viu milagres como eu”, caetanamente falando, deve suspeitar que não encontrei a obra de Caio Muniz, poeta da admiração de Toinho. A obra que se lançou aos meus olhos, no dia seguinte à partida de Anabela. Foi como se me dissessem, os dois, que finalmente se reencontraram e que a morte apenas cumpriu o papel de libertá-los das amarras do corpo físico para fazê-los felizes para sempre na eternidade da memória.