Anika mudou a minha vida, embora nunca tenhamos avançado além dos cumprimentos formais e de breves diálogos na escola. Convivemos por três meses no Velho Mundo, desejando-nos em silêncio e sem noção da mutualidade do afeto. Apenas no derradeiro instante, quando voltava para casa, a milhares de quilômetros de onde nos conhecemos, ela disse, sussurrante: “Estoy enamorada de ti”.
E o sussurro entrou pelo meu ouvido esquerdo, encheu-me os pulmões, arrastou um calafrio da ponta do dedo mindinho do pé direito à região central do tórax e me arregalou os olhos. A mudez foi outro efeito colateral. Não respondi palavra. Abracei Anika, dei-lhe um beijo no rosto e vim-me embora. Em uma época de cartas, telegramas, cartões postais, sem e-mail, sem rede social, perdemos contato.
O problema é que eu também era louco pela moça argentina. Desde o primeiro dia de aula, fazia de tudo para ficar perto, mas sem arriscar. Considerava-me feio, especialmente diante daquela beleza exuberante. Então, inseguro e sem iniciativa, perdi a chance de partilhar a saliva, o suor, o pop rock no King & Queen, os passeios românticos, as mãos dadas pelos recantos secretos do Royal Pavilion.
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| Imagem gerada pelo Gemini. |
Engraçado! Além de estudarmos na mesma sala, nada fizemos juntos, nem fotografia. Percebo, inclusive, que o rosto e as formas dela foram se perdendo nas vagas da memória, pouco a pouco, ano a ano, década a década. Uma lembrança que se transformou em idealização é o que me resta. Se a encontrasse agora, não a reconheceria. Mesmo assim, digo que era a mais linda naquele tempo-espaço.
O nosso romance irrealizado remete-me a um livro que li na adolescência. Não lembro do título. Do autor, muito menos. É a história do rapaz que se apaixona pela vendedora de discos. Como desculpa para encontrá-la, compra-lhe um vinil – ou seria CD? – todo santo dia. Quando ele some, de repente, a vendedora, também enamorada e muda, sai em busca do freguês, mas é tarde: ele havia morrido.
Depois de Anika, tornei-me assertivo,
embora atrapalhado. Um alegre colecionador de foras. Sim, alegre! Melhor a
vergonha do fora que a aflição da dúvida, ou pior, a descoberta tardia da
reciprocidade. De lá para cá, como se nunca tivesse ouvido Chico Buarque dizer
que “nem cantor incendiário ataca à queima-roupa a canção”, errei no tempo
muitas vezes e quebrei a cara. Em outras, contudo, eu fui feliz.

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