sábado, 11 de outubro de 2025

O coro dos contentes

 

O senador Rogério Marinho exigiu o afastamento de Eduardo Bueno do Conselho Editorial do Senado, porque o historiador, nas próprias redes sociais, ironizou a morte do extremista americano Charlie Kirk. Jamais, entretanto, condenou Jair Bolsonaro por zombar do sofrimento das vítimas da pandemia e do luto de milhares de famílias.

O presidente Lula repudiou a perseguição do MPF ao jornalista Glenn Greenwald, que desmascarou a nefasta operação Lava-Jato. Em 2004, contudo, mandou suspender o visto de Larry Rohter, correspondente do The New York Times, por haver escrito reportagem citando suposto abuso de bebidas alcoólicas por parte dele.

Logo após acusar o governo brasileiro de censura contra as big techs, pela pretensão de regulamentá-las, e de seus porta-vozes ameaçarem intervir no Brasil para assegurar a livre manifestação do pensamento, o babaca do Trump – a propósito, meu visto está vencido – ameaçou cassar licenças de TVs “adversárias”.

Bolsonaro, registra-se, fez o mesmo na presidência, ao dizer que não renovaria a concessão da Globo, em retaliação a reportagens “desfavoráveis”. Ele também atacou a imprensa profissional e adversários com o auxílio do Gabinete do Ódio. Agora, reclama de censura, silenciado por Alexandre de Moraes como Lula o foi por Luiz Fux.

Falando nessa relação de afeto, a extrema direita pirou quando o supremo ministro determinou o bloqueio do X – de Xandão? –, por desrespeito sistemático a ordens judiciais, mediante deliberação expressa do dono da rede, Elon Musk. Nem um “Stop, please!”, diante do banimento do TikTok dos EUA por violação a normas nacionais. 

Com todos os defeitos do seu governo, José Sarney atravessou o mandato de presidente sem histórico de perseguição à mídia, mas, cedendo a “sentimentos religiosos”, proibiu o filme Je Vous Salue, MarieEu Vos Saúdo, Maria –, alegando proteger valores da cristandade, embora vivamos em um País laico.


Ilustração criada pelo Gemini

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem sido essencial na proteção da democracia, inclusive ao fixar que a Constituição não protege manifestações de ódio, de ataque à honra e que representem crime. Peca, todavia, ao censurar reportagens e críticas aos seus próprios ministros.

Por último, embora como reflexo do primeiro exemplo, a escritora Paula Taitelbaum, esposa de Eduardo Bueno, foi excluída da 40ª Feira do Livro de Canoas/RS, por causa do comentário do marido sobre Charlie Kirk. Imagina! Um evento criado para celebrar a diversidade sucumbindo aos caprichos do mandatário de plantão. Que vergonha!

Quem teve paciência para chegar aqui deve estar se perguntando o que eu quero dizer com tudo isso? Na verdade, já disse pelos exemplos, bem como em 2014, na crônica “Espiral do Silêncio”, a partir do episódio em que o linguista Noam Chomsky defendeu a publicação de um livro, mesmo discordando das ideais nele escritas.

Atacado pelo posicionamento, Chomsky respondeu: “[...] a liberdade de expressão (incluindo a liberdade acadêmica) não deve ser restrita a visões que alguém aprova, e que é precisamente no caso de visões que são quase universalmente desprezadas e condenadas é que esse direito deve ser mais vigorosamente defendido”.

Ou seja, liberdade de expressão é semente rara que só germina, dá flores e gera frutos no terreno instável de ideais em conflito. É fácil advogar por ditos e escritos alinhados ao nosso ponto de vista. Difícil é respeitar quando um anjo torto, daqueles de Torquato Neto, chega para “desafinar o coro dos contentes”.

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