segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Lou

A porta da redação do O Mossoroense se abre e meu amigo Luciano Lelis da Silva, maior repórter fotográfico do Rio Grande do Norte de todos os tempos, anuncia por debaixo dos vastos bigodes: “Visita para você. Doutor Lou, de Assú”. Como eu ainda apurava, redigia e editava notícias policiais, suponho que estávamos no final da década de 1980.

Foi o primeiro de três ou quatro brevíssimos encontros que tive com o lendário João Marcolino de Vasconcelos, o Lou, advogado, poeta, boêmio, escritor, jornalista, político e um dos grandes oradores a que assisti no Tribunal do Júri Popular de Mossoró, embora os processos específicos não me venham à superfície da lembrança.

Como diria Emery Costa, meu mestre e amigo, com quem tanto aprendi, “lá se vão” trinta e tantos anos, de modo que nem me sinto na obrigação de pedir desculpas por não conseguir me debruçar sobre detalhes. O importante, aqui, são os fragmentos preservados do momento, do aperto de mão, das conversas sobre jornalismo e direito penal.

Não precisa ninguém me dizer de sua generosidade intelectual. Eu a conheci. Revirando estas memórias um tanto quanto vagas, revejo aquele homem com seus 60 anos, de cultura vastíssima, conversando com um adolescente burro, rebelde sem causa e com fama de doido, posto a trabalhar no jornal da família por ser um caso perdido.

Talvez a loucura nos aproximasse. A loucura e a sensação de que a sobriedade é um porre, como me leva a crer o ex-prefeito e ex-deputado estadual Ronaldo Soares, ao afirmar que nosso amigo “não pertencia a um mundo chamado normal”, era um “Dom Quixote” a enfrentar moinhos de vento com as armas da prosa e o escudo da poesia. 

Jeová Liberado Júnior, proprietário do LaLua, bar mais astral da cidade, jornalista filho de outro jornalista, Jeová Liberato, que manteve a Tribuna do Vale em circulação por mais de 20 anos, o descreve como “figura simpática, amiga e simples” que “não escondia o inventor, poeta, escritor, radialista, advogado, escoteiro e mais uma centena de coisas”.

O artista plástico Gilvan Lopes, por sua vez, revela que Lou compôs os hinos das cidades de Areia Branca, Carnaubais e Alto do Rodrigues, além de haver atuado no teatro e publicado o livro Pé de Escada, em coautoria com Renato Caldas. Aproveitando a deixa, queria ser dono de um muro no meio do mundo para Gilvan Lopes pintar.



Juntando tudo isso, e depois de ler Crônica que Escrevi para Você, obra póstuma de João Marcolino de Vasconcelos, em exemplar raro pertencente a José Tarcísio de Sá Leitão Soares, só tenho a lamentar a insensibilidade que me impediu de conviver com ele para lá dos esbarrões no O Mossoroense e no Fórum Silveira Martins.

De consolo, réstias de recordações, a convivência com a obra e, pelo que leio, a sensação de que poderíamos ter sido bons amigos, bebido juntos e varado noites no Assú, como, aliás, tenho feito de vez em quando, nas oportunidades em que o bolso permite ou Germário abre o coração e me oferece um vale no botequim.

Evoé, Lou!


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