Mulher odeia cantada, 83% delas,
pelo menos. É o que afirma pesquisa do OLGA, grupo que se define como
"um think tank dedicado
a elevar o nível da discussão
sobre feminilidade nos dias de hoje". Think tanks, para constar, são entidades destinadas a difundir
conhecimento e estimular o debate sobre áreas que elegem como estratégicas, a
fim de promover-lhes transformações ideológicas.
As cantadas mais ouvidas, de
acordo com participantes da sondagem, são "Linda" - 84%,
"Gostosa" - 83%, "Delícia" - 78%, "Fiu fiu" -
73%, "Princesa" - 71% e
"Nossa senhora" - 64%. A
maioria se dá na rua, embora muita gente relate assédios inconvenientes por
parte dos colegas de trabalho. Quem reage é chamada de "Metida" -
45%, "Baranga" - 16%, "Gorda" - 13%, "Feia" - 23%
e "Mal-comida" - 25%.
A timidez me deixa praticamente
fora das estatísticas. Pelo que lembro, cometi duas imposturas, a primeira por
questões de ordem linguística e a segunda depois de beber apaixonado, e com
celular na mão, por uma mulher linda e inalcançável. Quanto a esta, sem
delongas e sem abrir parágrafo, pedi mil desculpas e aprendi a lição: se se
apaixonar, não beba! Se beber, esbagace o celular no chão.
No tocante àquela, estava eu em
Brighton, interior da Inglaterra, quando, dentro de um ônibus à caminho do Eurocentres,
escola onde estudei por três meses, deparei-me com uma jovem suíça de seus 25
anos, com o par de olhos mais azuis da face da Terra. Azuis, redondos, enormes,
hipnotizantes, arrasadores... que nada prometiam - parodiando aqui Drummond -,
embora tudo permitissem imaginar.
De repente, o ônibus parou na North Street, a moça desceu, caminhou
alguns metros e entrou no edifício número 20, justo o meu destino. Naquele dia,
perdi a aula divagando em pensamentos românticos e tentando decorar a cantada
que, na condição de analfabeto universal, havia rascunhado para a figura, com
auxílio do dicionário: "Your eyes
are like the sky light" ou "seus olhos são como a luz do
céu".
"Your
eyes are like the sky light"... "Your eyes are like the sky light"... "Your eyes are like the sky light"...
Repeti a frase mentalmente dezenas de vezes, durante horas. Reescrevi-a à exaustão no caderno... "Your eyes are like the sky light"...
"Your eyes are like the sky light"...
"Your eyes are like the sky light"...
Apesar de piegas, lugar-comum, cafona, imaginei que o galanteio renderia
um beijo, um sorriso.
No final do primeiro turno, texto
decorado, avistei olhos azuis sentadinha num canto do refeitório, com
irresistível jeitinho de maior abandonada, lendo "O Velho e o Mar",
de Ernest Hemingway. Areia
demais para o meu fusquinha 1971. De toda forma, como já estava ali mesmo,
enchi os pulmões, trinquei os dentes e me aproximei todo prosa. Desejei
bom-dia, pedi para sentar. Ela sorriu, autorizou. Sentei-me.
Ainda nervoso, mas resoluto, aqueci
o juízo fazendo aquele exercício respiratório de mulher grávida na hora do
parto - uf! uf! uf! - e soltei o verbo em alto e bom som. Todo mundo ouviu. Penso
que hoje eu teria até visto permanente na Suíça se, em vez de "Your eyes are like the sky light",
eu não tivesse trocado os olhos ao declarar "Your ass is like the sky light", algo como "seu feofó é
como a luz do céu".
Um comentário:
hhahahah Genial Cid, conte mais destes causos na redação!
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