Em consequência do pé quebrado, venho dedicando mais tempo
do que o habitual à leitura e aos pensamentos. Passo horas na varanda do
quarto, sentado na cadeira de rodas, viajando em livros e boas lembranças.
Domingo último, no fim daquela tarde estranhamente calma,
deparei-me com o trecho de um livro que tratava do assunto sobre o qual,
momentos antes da leitura, eu falava aos meus pacientes botões.
Não! Por favor, não pensem que foi algo mediúnico.
Satisfaço-me com a explicação simplória de que tudo foi apenas feliz
coincidência entre meus devaneios e o texto, cujo nome do autor trataram de
apagar.
Escrevo desse modo, porque aprendi a valorizar as coisas
pelo ângulo humano, porque descobri que a beleza de certos momentos está
exatamente no fato de eles apenas acontecerem ou não, sem explicações.
Penso mesmo que foi à toa que, após idealizar a minha
Marília no cenário de mar e coqueiros, encontrei um apaixonado e apaixonante
relato sobre Tomaz Antônio Gonzaga e sua musa, Marília de Dirceu.
Coincidência, sim. Afinal, todas as Marílias, inclusive as
que inventamos para passar o tempo ou como motivo daqueles tolos mas deliciosos
poemas de amor, são iguais, sempre distantes, inalcançáveis.
Muitas vezes, é melhor que as musas permaneçam afastadas para
não assassinar a poesia. É comum, nessa arte de malucos e sonhadores, a
personagem idealizada ser morta por suas feições reais.
Se Gonzaga a tivesse possuído, talvez Marília desaparecesse,
a exemplo de tantas outras que passaram. Por isso, contento-me com a
simplicidade da vista do terraço, pois, somente assim, a fantasia será eterna.
(Tibau-RN, 22.1.2002)
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