domingo, 8 de maio de 2011

Convertidos - uma crônica buarqueana



Se eu encontrar todo mundo de blusa amarela, poderei até imaginar que é você voltando pra mim, oito horas, na rua. Aí, quem sabe, vou beber e soluçar como se fosse náufrago, último, máquina, único. Juro, por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir, que não amaldiçoarei o dia em que te conheci nem me trancarei no camarim.

Quando a banda passar, tocando coisas de amor, quando a marcha alegre se espalhar na avenida, mesmo que insista, não terei ilusões, acostumado com cada qual no seu canto, em cada canto uma dor. Vai a onda, vem a nuvem, cai a folha, passarão amigas secretas com perfumes baratos de Amsterdã. Quem dessas saberá meu nome?

Não, solidão, hoje não. Também não tenho planos de amanhã me retocar nesse salão de tristezas onde se penteiam mágoas, embora os olhos do meu bem olhem outro alguém quando me revelo e tento levar todos seus desejos. Ai, quanto descuido, o dessa moça, havendo tantos marmanjos querendo entrar nos reversos da cantiga.

Os sonhos que você contou pra mim, as fogueiras, os balões, os luares sertanejos, a jaqueira, a fruta no capim, a erva daninha no chão espezinhado. Eu era tão criança! E ainda sou. Ainda sou - oh, bela - um sonhador titã, tórax de superman, coração de poeta, quase cometendo um soneto para arrombar-lhe as janelas da alma.

Pode continuar fazendo papel de louca, arrasando meu projeto de vida, garantindo que é sempre minha. Saiba, contudo, que o mar perde o valor, o fim do mundo é opaco na cabeça de qualquer marujo, que tenho um jeito manso só meu. Acorda, amor, pode ter gente lá fora, batendo no portão. Tomara que seja só um pesadelo.

Além do mais, reparando bem, a bailarina tem pentelho, marca de vacina, pereba, irmão zarolho, calcinha velha. Imagino-me, desde logo, o artista no anfiteatro onde o tempo é a grande estrela, de quem arrebatam a garganta e que sorri porque lhe desenham contrapesos nos cantos da boca, triste para quem gozou de boa vida.

Agora falando sério, nada de esperar que a morte nos una. Melhor ser feliz. E passar bem. Nada de morrer de ciúme, de quase enlouquecer. Sei que a saudade é o maior tormento, é pior do que se entrevar, mas, apesar de você, de mim, amanhã será outro dia, porque, definitivamente, não somos mais aqueles dois pagãos.

3 comentários:

João Ferreira de Lima. disse...

que beleza grande mestre parabens e bom trabalho,um grande abraço.

João Ferreira de Lima. disse...

que beleza grande mestre parabens e bom trabalho,um grande abraço.

Canto de Página disse...

Obrigado e tudo de bom para você também, meu amigo.

Cid