segunda-feira, 10 de maio de 2010

Licença para o caos



Os adultos subestimam as lições dos contos de fada, das fábulas, dos apólogos e dos desenhos animados e, por isso, não percebem as mensagens contidas em parte dessas histórias capazes de influenciar, no universo das crianças, os homens e mulheres do futuro.

Lógico, existem influências boas e ruins, mas, embora estas inspirem maior vigilância, concentro-me nas coisas edificantes. A referência ao lixo serve apenas para não pensarem que o desconheço e abarrotem minha caixa de correio eletrônico com mensagens de protesto.

Na literatura, um dos melhores é o exemplo do fabulista Esopo, escravo grego que ganhou dinheiro e comprou a própria liberdade, no século cinco, antes de Cristo, contando histórias infantis repletas de ensinamentos valiosos ainda ocultos às vistas dos desavisados.

Das fábulas de Esopo surgiram lições de moral repetidas até hoje, como “Nem sempre bela embalagem anuncia belo recheio”, “De vagar e sempre se chega na frente”, “Inventar é uma coisa, fazer é outra” e “Quem quer agradar todo mundo no fim não agrada ninguém”.

O poeta João de La Fontaine, francês do século XVII, também buscou nessas historietas o escudo metafórico para desenvolver contos moralistas. La Fontaine reescreveu textos atribuídos a Esopo, entre eles “A cigarra e a formiga” e “A rã que queria ser grande como o boi”.

Monteiro Lobato, outro mestre da área, também recriou Esopo, dando desfecho diferente a certas narrativas. No caso de “A cigarra e a formiga”, Lobato troca a conclusão original, onde a cigarra morre desprezada, por um fim em que a formiga acolhe e alimenta o inseto cantor.

Não podemos nos esquecer de Machado de Assis, embora ele não escrevesse fábulas, e sim apólogos, ou pelo menos um, a “A agulha e a linha”, por meio do qual o mestre da literatura brasileira demonstra que, aqui e acolá, a gente serve “de agulha a muita linha ordinária”.

Na fábula, animais protagonizam a ficção; no apólogo, os papéis são atribuídos a objetos inanimados. Por falar nisto, semana passada tive o prazer de assistir a um belíssimo apólogo na TV, uma ilha no meio do lixo que as emissoras empurram goela abaixo de nossas crianças.

Trata-se da história do traço que descobre a possibilidade de ser qualquer forma. Contudo, livre para desenhar o seu destino, ele se transforma num emaranhado sem significação e sofre bastante até descobrir, com os próprios erros, que “a liberdade não é uma licença para o caos”.

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