O poeta Vinicius de Moraes comprou uma briga de foice com segmentos feministas ao pedir perdão às "muito feias", em Receita de Mulher, para declarar que "beleza é fundamental". Poucos compreenderam a subjetividade do texto, pois o belo, inclusive no reino das criaturas estereotipadas, alimenta-se das fantasias e das expectativas de cada sujeito.
Disseram-me que tenho a triste fama de namorar mulheres feiosas. E isso aconteceu na madrugada de sexta-feira, na festa de Santa Luzia, padroeira das claridades visuais. Fiquei surpreso, embora sem queixas, afinal o comentário veio de uma bela mulher e me foi repassado por outra não menos atraente, de acordo com meu "duvidoso" sentido estético.
Ao amanhecer, tentei decifrar a enigmática face da feiúra. Comecei pelo rosto que me apareceu no espelho do banheiro, com dois pares de rugas aspando olheiras gigantes e estas, por suas tristes vezes, servindo de molduras a olhos vermelhos, parecidos com aqueles descritos por Machado, o Bruxo do Cosme Velho, "de ressaca, oblíquos e dissimulados".
Parti para o espelho do quarto, que é dos grandes, e enxerguei o indigitado sujeito na superfície envidraçada do objeto narcisista, agora de corpo inteiro, nu, ostentando aquele físico de anjo barroco: baixinho, gordinho e sexualmente resumido, além de ser cabeção e branquela feito ratazana de laboratório. Ixe, ainda bem que há gosto e setembro para tudo.
Existem, nas conjecturas de Baudelaire, "tantos tipos de beleza quanto modos habituais de se procurar a felicidade". Nesse contexto, toda mulher, inclusive as consideradas "muito feias", tem algo de fascinante a oferecer, especialmente aos homens que se esbaldam na riqueza do detalhe. "Quem ama o feio", diz um sábio e antigo ditado, "bonito lhe parece".
Não nos esqueçamos dos padrões culturais. O belo na ótica brasileira é diferente do conceito americano, do alemão, do africano, do chinês e por aí vai. Claro, há gente como eu que é horrorosa em qualquer parte do globo, mas, no passo dos desafinados, nós, os desabonitados, também temos coração e queremos ser felizes, crescer, amar e multiplicar.
No mais, cabe-me dizer, sem o interesse de com isso me gabar, que vivo com uma mulher linda, cheirosa, gostosa e, como se não bastasse, de rara inteligência. Foi ela quem me enquadrou na sub-raça dos boêmios de asa quebrada, com a magia de seus beijos, o calor de sua carne e a maravilha do amor que conservou por 20 anos para me entregar.
13 comentários:
De Frank: Primo, bela declaração para sua amada.
Valeu, primo.
Cid
Belas e sábias palavras!!
Como dizem:"Beleza não põe mesa".
Rs.
Bjks
O que é a beleza senão o amor que falamos pelos olhos? Adorei seu etexto. Abraços.
Um texto belo, ironicamente belo. Muito embora o conceito de belo seja tão questionável... Ah a estética!
"ainda bem que há gosto e setembro para tudo." E assim sempre será, amém?!
Olá caro amigo Cid,
A beleza é fundamental, principalmente a beleza "natural".
Sabemos que a beleza é um valor e como tal trata-se de um objetivo que se deve almejar.
Parabéns pela escolha de tema.
Gostaria de lhe informar que o Blog Canto de página se encontra em meus links sugeridos.
Cordialmente Geraldo.
Campeador da Praça,
Como diria o velho Itajubá:
- "Trabáio limpo...!"
Abraço,
Laélio
Cid,
como você bem disse: o padrão de beleza depende da cultura de onde se vive. Lembro-me das pobres japonesas que, para conquistar seus amos encolhiam os pés, deformando-os. Era padrão de beleza. Aqui, no nosso Brasil, primamos pelo bumbum arrebitado e coxas grossas (estamos mudando - não eu - e partindo para as esqueléticas, de seios ciliconados), diferentemente de outros países. Interessante é que, em pesquisa recente, as mulheres mais gostosas para o homens eram aquelas em que existia a protuberância de carnes, ou seja, as chamadas fofinhas. Inclusive, na pesquisa ficou comprovado que elas faziam mais sexos que as ditas "saradas". Como exemplo, Preta Gil, filha do ex-ministro. Agora, concordo com você e com o ditado "quem ama o feio..." No final, o bom é sentir-se bem, feliz com os próprios narcisismos e amar as feias, as belas, as gostosas, as boas e as que realmente nos fazem bem.
Meu quase advogado, Cid! Que belo texto. Só não brado que você, apenas, o está psicografando porque lhe conheço e sei da sua competência em se falando de mulher... da sua mulher. Parabéns.
Luiz Carlos Trindade (Ex-UNP)
Demorei, mas aqui estou. Obrigado Sulla,Ângela, Marcinha, Geraldo, Laélio, leitor anônimo e Luiz, pelos comentários que abrilhantam este Canto de Página. Feliz ano-novo para todos vocês.
Cid
Olha amigo! O Vinicius estava certo. Eu gosto mais da sinceridade embora ela cause alguns transtornos.Quem inventou certos ditados que circulam por aí foram uns imbecis.Por exemplo: "beleza não põe mesa". Coloca um ovo bem estrelado ornamentado com pedaços de extintor(salame barato)com tomate, e coloca um churrasco com farinha num jornal, que eu vou ao ultimo.Esse negocio de "dinheiro não traz felicidade". Foi um preguisoso e duro quem inventou e "tamanho não é documento". Aposto que foi um anão do penis bem pequeno. Que os bobocas me perdoem
Wellington Figueiroa. Barra dos Coqueiros - Sergipe
Muito bem, Wellington, e um grande abraço para você e demais habitantes de Barra dos Coqueiros. Volte sempre.
Cid
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