sábado, 20 de setembro de 2008
A biblioteca
Comecei por volta dos 15 anos a juntar os livros de minha singela biblioteca, único bem material – ou conjunto deles – amealhado desde quando comecei a trabalhar no O Mossoroense, pouco abaixo dessa idade. Vim querendo sei lá o quê, pois meu sonho era a medicina, seguindo tradições familiares. Mas jornal apaixona e aqui estou desde então.
Cheguei sem escrever um “o” com uma quenga. Também detestava leitura, para desgosto da família. O pouquinho que sei aprendi aqui, graças aos ensinamentos do ofício e a duras rotinas de estudo. Do amor ao jornalismo, veio o amor à literatura e surgiu a coleção livresca que já atravessou dois casamentos, várias mudanças e uma inundação.
Os volumes encontram-se guardados na Rua dos Bobos, nº 0, na casinha branca de janelas e portas amarelas construída por Vingt-un Rosado e duplicada por mim. Fica no ponto mais alto do Sítio Mororó, antigo Canto de Lahyre, lugar exato da morada antiga onde minha bisavó paterna se refugiou, em 1927, para se proteger do ataque de Lampião.
Muitos visitantes, vendo paredes tomadas por aço e papel, perguntam-me quantos livros tenho e se li todos eles. Em relação à primeira dúvida, respondo não saber. Nunca os contei, talvez sejam cinco, seis mil, talvez mais, quem sabe menos. Coisa nanica diante dos acervos registrados pelo poeta Lívio Oliveira. Gigantesca frente à minha estupidez.
A segunda resposta também é negativa. Não, eu não li boa parte dos títulos que possuo nem me sinto obrigado a fazê-lo ou declará-lo para impressionar a platéia. Francamente, às vezes percebo não haver lido sequer os que li, em face do esquecimento e da confusão de vozes. Além disso, como diz Pierre Bayard, o “livro se reinventa a cada leitura”.
Na metafísica de Borges, o mundo é a biblioteca sem fim na qual os homens, mesmo empenhados na busca do conhecimento, jamais conseguirão escalar todas as prateleiras. Na melhor das hipóteses, sobreviverão sem traumas à perspectiva medonha “de que tudo está escrito”, mas que seu acesso se resumirá a quantidades miseráveis de textos.
Extinta a raça humana, a Biblioteca de Babel permanecerá “iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta”. Espero de igual modo que, extinta minha humanidade, a pequena biblioteca da Rua dos Bobos, edificada livro a livro com tanto zelo, continue e se engrandeça aos olhos dos que virão.
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