domingo, 25 de junho de 2023

Prefeito veste Azul, Lampião veste Rosa

As cores sempre tiveram simbologia especial em Mossoró, notadamente nas disputas político-partidárias. Durante anos, o verde do MDB e o encarnado da Arena dividiram a cidade nos períodos eleitorais. Pelo tom da roupa, deduzia-se em quem votava o sujeito ou a sujeita, a exemplo do que aconteceu em pleitos recentes, com o vermelho petista de um lado e o verde-amarelo bolsonarista de outro.

A coisa, aliás, ia além das vestes. Seu Pedro, conhecido como Homem do Carneiro Verde, segundo narra o cronista Odemirton Filho, no blog do jornalista Carlos Santos, usava tinta xadrez para enverdecer a lã do inocente ovino que arrastava às famosas vigílias do ex-governador Aluízio Alves, o Cigano Feiticeiro. Era a maneira de Seu Pedro não deixar o menor sinal de dúvida sobre sua condição aluizista.

Contam também que, nos anos 1960, o tribunal designou um juiz forasteiro para a comarca. O magistrado era discreto e não dava pistas ideológicas, até que, um dia, alguém o viu sair da farmácia e resolveu buscar indícios no estabelecimento: “O que ele comprou?”, quis saber o curioso. “Escova de dentes”, respondeu o boticário. Aí veio a grande jogada, o xeque-mate: “Verde ou vermelha?”.

Quem se cria no País de Mossoró cresce impregnado por essas simbologias. Quem chega depois, logo se contamina pela semiótica local. Se bem que não é só aqui. Conforme escrevi logo no primeiro parágrafo desta crônica, a nação inteira caiu na gandaia, alguns em delírio coletivo. Até eu, sempre distante das polêmicas do gênero, passei, inopinadamente, a evitar determinadas combinações.

Talvez por ser mossoroense, infectado de nascença pela cisma das cores, eu tenha visto algo estranho na edição 2023 do Chuva de Bala: o prefeito Rodolfo Fernandes, herói e salvador, veste um Azul forte que se destaca no espectro anil proporcionado pelo choque entres luzes e cenário; e Lampião, o facínora, veste Rosa. Coincidência! Ninguém, a não ser um bruxo, criaria fantasia subliminar tão graciosa.


Imagem oficial do evento transmitida pela TCM

Imagem oficial do evento transmitida pela TCM

Psicoses à parte, registro aqui meu reconhecimento aos trabalhadores da cultura responsáveis pela construção desse espetáculo que projeta Mossoró no Brasil e no mundo. Não vou citar nomes, por serem muitos os amigos e amigas a brilhar no adro da capela de São Vicente, tantos, ao longo de tantos anos, que a lista sequer caberia neste Canto de Página. A vocês, os parabéns! Evoé! Merda!

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