domingo, 4 de junho de 2023

Esse aí é seu pai?

 Tipos populares frequentam livros, crônicas e artigos de diversos memorialistas e historiadores do Rio Grande do Norte há muitos anos. Em Mossoró existem páginas célebres de escritores de nomeada sobre figuras curiosas que ilustravam, com suas particularidades, a geografia humana local.

Nem sei se tais registros seriam “politicamente corretos” hoje, em tempos de revisionismo literário. Tais personagens, afinal, destacavam-se por reagirem a apelidos jocosos, por distinções físicas, por manias diversas e até por problemas mentais, a exemplo do rapaz que transava com fuscas.

Quando passei a frequentar Assú com regularidade, descobri que, por aqui, também há narrativas envolvendo personagens curiosas. Roque, imortalizado em mural de Gilvan Lopes, no Centro, é uma delas. Apesar de cego, dizem, informava as horas corretas, sem relógio; e percorria a cidade toda sem ajuda.

Roque, o “Cego da Hora”, morreu bem-antes de eu passar a morar na Terra dos Poetas. Gostaria de tê-lo conhecido e, quem sabe, entrevistado. Aliás, por que não pensamos nisso, meu amigo Lúcio Flávio? De meu tempo, entretanto, tomo a liberdade de fazer dois registros: Cachorra Lascada e Cleonice.


Roque, o Cego da Hora
 
Roque por Gilvan Lopes

Cachorra Lascada é magro, de estatura mediana. Às vezes parece ninja, às vezes encarna Rambo, a depender de como enrola a camisa na cabeça. Diariamente luta artes marciais com inimigos imaginários em via pública. Sempre torço por ele, que, até onde sei, não ofende ninguém de “mermo-mermo”.

Cleonice é uma mulher baixinha, gordinha, que anda do raiar do Sol à alta madrugada catando recicláveis e pedindo dinheiro. Há dias em que nos encontramos em diversos lugares, nos horários mais variados. A cada novo esbarrão, dirige-se a mim como se fosse a primeira vez: “R$ 2,00, moço bunito”.

Se estou acompanhado de Clarisse, minha proprietária, Cleonice vai se chegando com jeito e simpatia: “R$ 2,00, muié bunita e homi bunito”. Se tenho e dou, o elogio é reforçado com algum gracejo, mas, se não compareço, ela olha para Clarisse e dispara: “Tão novinha! Tão linda! Esse aí é seu pai?”.

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