domingo, 4 de agosto de 2013

Vista do terraço


Em consequência do pé quebrado, venho dedicando mais tempo do que o habitual à leitura e aos pensamentos. Passo horas na varanda do quarto, sentado na cadeira de rodas, viajando em livros e boas lembranças.

Domingo último, no fim daquela tarde estranhamente calma, deparei-me com o trecho de um livro que tratava do assunto sobre o qual, momentos antes da leitura, eu falava aos meus pacientes botões.

Não! Por favor, não pensem que foi algo mediúnico. Satisfaço-me com a explicação simplória de que tudo foi apenas feliz coincidência entre meus devaneios e o texto, cujo nome do autor trataram de apagar.

Escrevo desse modo, porque aprendi a valorizar as coisas pelo ângulo humano, porque descobri que a beleza de certos momentos está exatamente no fato de eles apenas acontecerem ou não, sem explicações.

Penso mesmo que foi à toa que, após idealizar a minha Marília no cenário de mar e coqueiros, encontrei um apaixonado e apaixonante relato sobre Tomaz Antônio Gonzaga e sua musa, Marília de Dirceu.

Coincidência, sim. Afinal, todas as Marílias, inclusive as que inventamos para passar o tempo ou como motivo daqueles tolos mas deliciosos poemas de amor, são iguais, sempre distantes, inalcançáveis.

Muitas vezes, é melhor que as musas permaneçam afastadas para não assassinar a poesia. É comum, nessa arte de malucos e sonhadores, a personagem idealizada ser morta por suas feições reais.

Se Gonzaga a tivesse possuído, talvez Marília desaparecesse, a exemplo de tantas outras que passaram. Por isso, contento-me com a simplicidade da vista do terraço, pois, somente assim, a fantasia será eterna.

(Tibau-RN, 22.1.2002)


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