sábado, 5 de novembro de 2011

“QUE SORTE – Escapou mais uma vez”


"Invejo as flores que murchando morrem,
E as aves que desmaiam-se cantando
E expiram sem sofrer..."
Álvares de Azevedo

O desmaio é uma experiência assustadora, espécie de ensaio para a morte. Desmaiei em pleno sábado enquanto escovava os dentes. Acordei minutos depois, nu, deitado no chão com metade do corpo no banheiro e outra no quarto. Tremenda dor na cabeça ferida em três lugares e na coluna cujos reflexos da queda ainda não foram avaliados.

Voltei aos poucos e também aos poucos, enquanto a mulher e os meninos se acalmavam, tomei ciência dos detalhes. A pressão arterial em 10/7, vista no tensiômetro caseiro, era dos pormenores estranhos para quem, desde moço, tenta domar a hipertensão. Recusei-me, logo de início, a preocupar meus pais, irmãos e minha avó. Todos viajando.

A ideia de poupar a família não perdurou. Recebi socorro, fiz exames para avaliar as causas e as consequências do “apagão” e passei a tomar “remédio controlado”. Feitos os testes necessários, incluindo a ressonância magnética, em qual estrutura o sujeito se sente enterrado vivo, confirmei as suspeitas de tantos anos: não tenho nada na cabeça.

O coração parecia inquieto no emaranhado de estalactites e estalagmites do eletrocardiógrafo. O diagnóstico, no entanto, diz estar bem o “Órgão muscular situado na cavidade torácica constituído de duas aurículas e dois ventrículos, e que recebe o sangue e o bombeia por meio dos movimentos ritmados de diástole e de sístole” (copiei do Aurélio).

Na quarta-feira, dirigi-me ao cemitério a fim de homenagear a memória de parentes e amigos mortos. A distância entre nós, ante os efeitos psicológicos do susto, pareceu-me menor do que noutros Dias de Finados, mas, logo na entrada do campo santo, recebi um panfleto evangélico com o seguinte título: “QUE SORTE – Escapou mais uma vez”.

A mensagem, se não exerceu o poder da conversão, abriu-me o sorriso há dias acorrentado pelo medo de perder de vez os sentidos sem dizer adeus, pedir perdão, perdoar. Coincidência? Sopro de Deus na vida de um agnóstico convicto? Por agora, contenta-me saber da palavra em sua essência, conquistando, devolvendo a luz da esperança.

3 comentários:

Fátima Silva disse...

gostei muito deste texto parabéns;criatividade para um jornalista faz a diferença

Canto de Página disse...

Gentileza sua, Fátima. Muito obrigado e volte sempre.

Cid

Vom Secolli disse...

Cara, também gostei do texto. De todos. Só não gostei do teor deste, onde o amigo articulista (bom nos dois) fala que andou se apagando. Conheci desse apagão. Aliás, de vários, tantos quanto os exames e especialistas consultados em diferentes cidades. Sumiram, sem determinarem o que causavam, exceto por um médico daqui de Recife, que chamou, na época, de "labilidade vagal", seja lá o que isso for, e ficando por isso mesmo.
Uma exceção foi um novo 'apagão' há uns dois meses, quando o cóccix e eu sofremos. Mas desse sei a causa. Mistura de cores: Royal Label Red com 'faixa-preta'. Ainda se pode 'hífar'?
Esse 'Vom', do tuíte, tu já sabes, é um 'clovis melo' embaralhado... "Anagrama", na linguagem dos cultos.
Saúde e parabéns. E um FTE 73, too.