sábado, 10 de julho de 2010

Olhos



Jamais esqueci nenhum. Os primeiros eram negros, redondos, ornados por cílios enormes. Diziam pouco de si, apenas o bastante para encantar a garotada. E como seduziam! Seduziam e se aproveitavam da inocência dos meninos naqueles tempos de fogueira, milho verde e balão.

Os segundos, amendoados, apertavam-se na moldura do rostinho trigueiro e falavam pelos cotovelos. A poesia os agitava, dava-lhes o brilho das estrelas de grandeza superior. Por eles, os rapazes bebiam enormes goles no cálice do ciúme e faziam todas as besteiras juvenis.

Depois vieram uns cuja cor nem é bom mencionar. Diferentes dos primeiros, que enganavam sem malícia, estes mentiam por maldade, roubavam a pureza, a fé e lançavam qualquer pessoa na sarjeta, sem dó nem piedade. Quem escapou ainda traz as marcas de suas unhas no corpo e na alma.

Por outro lado, houve dois favos de mel. Os mais doces e meigos de todos, sempre empenhados em fazer o bem e em semear a felicidade nos corações humanos. Amavam de modo pleno, fiel e compreendiam as particularidades alheias, por estranhas que fossem ou parecessem aos comuns.

Os penúltimos eram depravadamente azuis, iguais àquelas metáforas batidas: azuis da cor do céu, da cor do mar, de anil etc, etc, etc. Loucos de pedra. Não mentiam por nada neste mundo, mas suas verdades rasgavam a carne com a violência de uma navalha cega, com a insensatez do fogo das paixões.

Os de ontem também surgiram azuis até se revelarem castanhos. A cada frase, dez mistérios que os tornavam ao mesmo tempo inocentes e depravados, verdadeiros e falsos, doces e amargos, generosos e cruéis. Por isso, meu amigo, deixo o aviso: caso os encontre pela noite, não arrisque fitá-los. Você pode imaginar o céu e cair no inferno.

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