domingo, 20 de junho de 2010

Templos de mármore



Vez em quando, recebo a ilustre visita do pastor João Leandro da Silva. Trato-o apenas por pastor Leandro, sem demérito ao João nem ao Silva, prenome e sobrenome do maior respeito, até pela consagração popular. É o costume e, principalmente, como ele se apresenta. Da última vez, na quinta-feira, trouxe-me a 39ª edição do jornal “Está Escrito”, que faz com o maior carinho, numa folhinha de papel “A4”, esse de escritório, para difundir ensinamentos cristãos.

Leio de coração aberto os informativos que o pastor me traz, mesmo sem nutrir sentimentos religiosos, pois a palavra está acima dos homens e sempre nos esclarece, e sempre nos encoraja: “O Senhor é contigo, homem valente”, diz a epígrafe retirada de Juízes, 6.12, para o texto “O cristão e os espíritos maus”, em que se diferencia o pecado e a ruindade, aquilo enquanto condição dos degredados filhos de Eva e isto como caracterização do espírito de porco.

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Acaba de morrer o escritor José Saramago. Deu na televisão e na internet. O único Nobel de Literatura da língua portuguesa, segundo as primeiras notícias, dormiu bem de ontem para hoje (estamos na antevéspera da publicação desta crônica), tomou café da manhã normalmente, sentiu-se mal pouco depois e partiu, aos 87 anos, apaziguado nos braços da mulher amada, Pilar del Rio. Noite passada, fez constar no seu blog: “sem ideias, não vamos a parte nenhuma”.

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Aberto e fechado o parêntese fúnebre, com necessária cautela para não ofender a pertinência temática, retorno ao pastor Leandro, só para completar o raciocínio. Pois bem, aí está um homem capaz de ir a todos os lugares, no sentido de Samarago, porque cultiva a reflexão, porque não teme se expressar, porque não foge do debate. Nossos diálogos, apesar de enxergarmos por óculos diferentes as questões espirituais, não criam barreiras nem azedam a cordialidade.

É dele a sentença ácida publicada aqui no O Mossoroense, aos 16 de julho de 2006, de que “a instituição chamada igreja é um cemitério que alimenta urubus, guarnecida por cães, os atalaias de quem fala o apóstolo Mateus, quando escreveu ‘Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres’ (24.28)”. Não chego a isso e nem poderia, por ignorância na fé. Concordo, entretanto, no sentido de que, seja qual for a entidade, ninguém se faz respeitar pela força.

Os templos de mármore, em cujos salões ecoam prepotência, arrogância e ódio, servirão de túmulo para as memórias de seus infelizes ocupantes. Que não me leiam tais criaturas, por “Deus”, para não tropeçarem na consciência pluralista do texto, caindo, na ordem, com o peso dos desaforos e das ameaças sobre esta pobre cabeça nordestina viciada em pensar. Mas se lerem e não gostarem, não gostem; se vierem, venham: estou até os dentes armado de liberdade.

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