sábado, 6 de março de 2010
Leitura Dinâmica
“Todo o homem que lê de mais
e usa o cérebro de menos
adquire a preguiça de pensar”.
Albert Einstein
O cara é o cara, tem até nome de espião britânico. Lê página de livro em segundos, franzindo queixo e testa, balançando a cabeça em sinal afirmativo, como fazem intelectuais frente ao mistério da palavra. Em seguida, explana item por item, aparenta profundidade sem sair da superfície do texto. A plateia, antes ateia, rende-se aos milagres provenientes do troço chamado leitura dinâmica. E aplaude.
As palmas, os “Oh!”, os “Ixe!”, os olhos arregalados, a curiosidade ampla, geral irrestrita, nada o comove. Ele prossegue sem perder o ar solene dos homens de negócio, oferecendo-se para ensinar sua técnica. Em apenas três horas e a módicos tostões, promete, qualquer pessoa aprende a ler naquela velocidade, com aquela capacidade de memorização, sem cansaço, sem dor nos olhos, sem... sem... sem!
Sem prazer. A leitura dinâmica é inimiga da perfeição, assassina dos detalhes, irmã gêmea da ejaculação precoce. Visualize o sujeito percorrendo num estalar de dedos as catorze linhas de “Amar!” ou de “A minha tragédia”, sonetos de Florbela Espanca. Imagine o indivíduo, o mesmo talvez, saindo com a rainha da bateria da Grande Rio e gozando no aperto de mão. O apressado às vezes nem come.
Isso lembra o filme “Click”, do diretor Frank Coraci, no qual o arquiteto Michael Newman, interpretado por Adam Sandler, recebe um controle remoto universal munido de possibilidades fantásticas. O acessório, além das funções convencionais relacionadas aos aparelhos de TV e DVD, controla o fluxo temporal no presente e no futuro, só não remete ao passado, sempre inatingível e irremediável.
A personagem se deixa levar por aparentes facilidades da engenhoca, especialmente as do botão fast-forward, o qual aciona a cada discussão doméstica, a cada chateação no trabalho, a cada problema de saúde. De tanto avançar, Michael deixa de viver também momentos agradáveis e, digamos, necessários. Quando se dá por isso, os instantes desperdiçados, Inês é morte e ele está com o pé na cova.
Boa metáfora. Quem atravessa o texto na carreira deixa as entrelinhas em branca nuvem, abre mão da boa companhia, do privilégio de sentir a alma do verbo, de viajar nos sentidos. Não sente cansaço, dor de cabeça, coceira nas vistas, não tem olheiras. Quem aciona o fast-forward chega primeiro, mas abre mão da experiência, adquirindo conhecimentos tão profundos quanto um pires emborcado.
Ledores dinâmicos que tropeçaram na epígrafe e caíram aqui, perdidos, desnorteados, sei lá, devem estar resmungando: “Vote, cruz credo, vade retro, queima!”. Relevem aí, por favor, a deselegância do velho cronista, saudoso de quando as horas engatinhavam no ritmo das teclas da Olivetti, viciado em hábitos antiquados, como o de perder eras preciosas, chafurdando nas entranhas de bons livros.
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