sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

SABOTAGEM

E assim nasce a boemia...

O sujeito sai de casa de manhã rumo ao trabalho, em pleno feriado de Santa Luzia. 

- Espere! Você não está em Assú?

Tem razão, mas carrego Mossoró aonde vou e não perco o costume do 13 de dezembro nem por cem e uma cocada.

- Hunnn! E agora é religioso? 

Bobagem, a virgem de Siracusa é patrimônio imaterial dos mossoroenses, acima dos credos e das descrenças. 

Enfim, como dito, sai para trabalhar. De repente, minha amiga Fernanda Cristina Cosme de Sá Leitão Soares, colega de escritório de advocacia, poetisa tão grande quanto o próprio nome e ainda por cima imortal que nem o compadre Caio César Muniz, anuncia a provável chegada de Grimaldi Zacarias ao número 912 da rua Sinhazinha Wanderley. 

E chegou mesmo, certeiro igual a poesia fescenina de Sávio Tavares, de violão em punho, sabotando por completo o expediente. Aí, meu bom e minha boa, veio Chico Buarque, saiu Belchior, desceu Cartola, Gal caetaneou-se de acordes e Marisa Monte se balançou para entrar no repertório. 

Grimaldi, para constar, é dos grandes violonistas que conheço, honrando a tradição dos “ança” do Vale do Açu – Carlança, Miltança, Belinhança –, do patamar de Antero, que não é de Quental, mas é José e é dos Santos, do naipe de Mirabô Dantas e Lázaro Amaro, cabras de Areia Branca, sem dizer de Genildo e Geová Costa, esse povo maravilhoso de Grossos, e de Jacson Damasceno, baiano que Natal tomou de Catu. 

Pois bem ou pois mal, precisei beber antes de chegar aos 85 quilos. É a dieta! Prometi que só tomaria uísque novamente quando caísse de 87 para 85. Ou seja, Fernanda e Grimaldi me levaram a queimar o expediente em vez de gordura. 

Okay, Okay, Okay, confesso! A culpa é toda minha. Amanheci com o feriado de Mossoró fervilhando no Assú do meu juízo, cutucando-me as costelas, doido pra debandar largando guardanapos no Dom Pedro, em Gemário, no Bode, no La Lua, no Baronesa, na rodoviária e no Mercado do Peixe, tomando as últimas das últimas com Diá e Canarinho.

Só não completei o percurso imaginado porque, lá pelas não sei quantas, ao levantar as vistas tocadas pela pureza do malte das Terras Altas – pasmem! –, a madrugada estava nua diante deste reles mortal que vos atormenta com escrevinhações tolas.




Flagrei-a sem querer no extado instante em que ela trocava o vestido iluminado de Lua pelas vestes douradas de Sol. Completamente nua, a danada, em luz e sombras, do jeitinho que veio ao mundo. 

Acredita? 

Creia ou não, desviei o olhar para não ser indelicado com a dama que se deixou ver por acidente – suspeito inclusive que Renato Caldas fez também assim ao vislumbrar “os seios da lua amamentando uma estrela” –. Contudo, a brevíssima cena percebida sem maldade já estava tatuada em minhas retinas com pigmentos de deslumbre e decepção. 

É que sempre encarno Florbela Espanca no ódio eterno à luz e na revolta incontida contra a claridade, a não ser a dos olhos de Clarisse.

Ah! Se eu conhecesse o segredo das tintas de Rogério Dias, Laércio Eugênio, Airton Cilon, Túlio Ratto e Gilvan Lopes. Se talvez Aluísio Barros, Marcos Ferreira, Antônio Francisco ou Nildo da Pedra Branca me emprestasse um versinho, o mais piquititinho que fosse. 

Tivesse eu algum talento, a madrugada nua ganharia cores, prosa, verso, como se fosse uma noiva de Habner encantada na eternidade digital do retrato. Todavia, nem palavra seduzo mais a esta altura dos acontecimentos etílicos. As que me restam depois da curva do fundo da garrafa tropeçam nos próprios sentidos tentando acompanhar o redator cujas pegadas não encontram sequer os próprios passos.

E assim morre a crônica.



2 comentários:

ENSAIO GERAL disse...

Nobre poeta, a Santa de Siracusa tem sido muito generosa com os boêmios, notívagos, poetas. Sabe muito de nossos devaneios e protege a todos na sua ternura e simplicidade. Paz pra ti. Saudades.

Fred_Areia Branca disse...

👏👏👏👏👏👏