sábado, 24 de agosto de 2013

À flor da pele


Você mexe comigo de um jeito que não deveria. Ou deveria? O fato é que mexe com a suavidade de um soneto de Florbela Espanca. Sabe aquele?... "Sou talvez a visão que alguém sonhou/ Alguém que veio ao mundo prá me ver/ E que nunca na vida me encontrou"... Lembra?

Difícil resistir à ocasião de se fazer ladrão quando, na covardia, sacode os cabelos e me arrasta da memória uns versinhos franzinos alinhavados timidamente em estrofes juvenis que mal cabem em si de tanta insensatez. A vontade é a de assaltar-lhe mísera dúzia de beijos.

Ainda mais se abre a boca num vendaval de doidices e entorna sem cuidado o caos nos meus ouvidos, acusando-me de saber, de me fazer mouco, doido, algo assim. Logo eu, criatura, sempre incriminado do contrário, de ouvir e promover delírios no lirismo restante da embriaguez.

Às vezes me enrosco em sua língua numa luta sem tréguas, à caça de gemidos. Outras, minhas mãos violam seu vestido e se perdem na multidão dos próprios dedos. Certas horas lambuzo suas coxas, suas costas, a barriga, até desmaio à sombra de estrelas invisíveis. Sente?

Eu mexo com você, diz você, de um jeito que não poderia. Ou poderia? Talvez seja a pele, só pode ser. Coisa de pele não se explica e muito menos se prova. A arquitetura do arrepio desconstrói a espinha, espalha o sangue e infla de repente os pulmões, mas nunca deixa rastro.

Não precisa escancarar a janela, a musa só espera uma brecha para invadir o ambiente nas patas de um gato pardo desses que vivem por aí, sem eira nem beira, sobrevivente do amor com hora marcada. Não fará barulho nem incomodará os anjos caídos pela sala de estar. Creia.

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