sábado, 6 de julho de 2013

QUE SORTE!


Mossoró se vê de longe. Antigamente - o antigamente da minha infância e adolescência -, a cidade só se manifestava quando o viajante cortava o lombo do Alto de São Manoel. Isso, se viesse das bandas de Assú, pois, na procedência de Tibau ou de Aracati, pelo outro lado da BR-304, as vistas alcançavam a área urbana na linha do Puxa-Boi.

Quem chegasse de Areia Branca, de Governador Dix-sept Rosado, de Apodi, de Baraúna, praticamente despencava em nossas ruas, sem aviso prévio. De Apodi, na verdade, a fábrica de cimento, que era tão longe, tão distante, tão afastada, antecipava de certa maneira o encontro, espécie de anteclímax da penetração na faixa habitada do velho município.

A geografia nos reservou um vale sem montanhas, à margem do rio hoje perene, mas poluído por todas as pessoas de todas as localidades pelas quais ele tem a má sorte de passar. Menino, escondido de meus pais, fazia festa nas águas das chuvas de verão: Barragem de Genésio, Ponte de Ferro, Centro, Paredões, e sítios de parentes e amigos.

Bem ou mal, os tempos mudaram, as coisas avançaram. A "cidadona", como a classificou o historiador Raimundo Nonato da Silva em 1919, ano de sua mudança para cá, aos 12 de idade, encaixou-se nessa definição, ganhando ares e problemas de metrópole. Cem homicídios em seis meses bastam para revelar o quanto a tribo dos monxorós "evoluiu".

Mossoró virou uma senhora exibida, cujas luzes projetadas no céu escuro parecem próximas a qualquer observador. Mesmo sob o sol nordestino "de dois canos, de tiro repetido", na expressão de João Cabral de Melo Neto, as silhuetas dos arranha-céus, aglomerados especialmente no bairro Nova Betânia, mostram-se no rastro de quilômetros.

Certa feita, passeando de bicicleta com meu filho no calçamento infernal da Amaro Duarte, para fugir do trânsito da Duodécimo e da João da Escóssia, contei-lhe, a despeito deste tema, que, na idade dele, eu brincava ali, em ruas de barro, onde acabava a cidade, onde havia matas, lagoa, currais. E ele, olhos baixos, exclamou: "Que sorte a sua!".

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