sábado, 16 de março de 2013

Naufrágio



A onda vem, os cascos se erguem palmo e meio. Depois, quando passa, descem nos movimentos ensaiados de um balé. Sonham romper as correntes e partir para o mais do longe, voltar a lugares onde nunca estiveram, pois cada viagem ao infinito é o mesmo déjà-vu.

Incrível ser o mar aquele de há tantos séculos e, ainda assim, causar espanto a quem traz limbo e conchas no leme, marcas do tempo na lida do oceano, das viagens entre a terra e até depois da linha do horizonte, onde as vistas dos homens sem alucinação poética não alcançam.


No continente, sobre dunas imprecisas, velas dobradas, mastros arreados, apenas a maresia consola outros tantos que, infelizmente, não alcançaram a graça de serem embalados nos braços invisíveis de Iemanjá. Estes olham, invejam que nem pessoa, sonham a precisão do navegar.

Nem âncora nem chão. Melhor viver à deriva do que morrer em porto seguro. Ao sabor incontrolável do fluxo e do refluxo das águas, pode-se ao menos tropeçar displicentemente no canto das sereias, afogar-se no ar, embriagar-se no olho do furacão e gozar nas coxas dos maremotos.

Tempos atrás, quando o mundo era quadrado e acalentava um abismo em cada lado do seu fim, todos amavam o perigo, as agitações. Hoje, entretanto, preferem a segurança do estaleiro. É que a maré não está para piaba e qualquer tentação de flutuar só pode resultar naufrágio.


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