sábado, 1 de dezembro de 2012

O Oráculo de Mossoró



Há na mitologia grega a figura do oráculo, uma divindade ou o sacerdote que a ela se reporta como intermediário dos mortais em busca de respostas. O mais famoso, imagino, é o Oráculo de Delfos, instalado no sopé do monte Parnaso, onde ninfas e musas reuniam-se para ouvir a lira de Apolo.

A exemplo de outros heróis, Hércules tomou ciência do seu destino em Delfos, em cujo templo estava a sentença "Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo", atribuída ao grupo dos Sete Sábios, o qual integraram Orfeu e Pitágoras.

Em Mossoró também tivemos um oráculo: Raimundo Soares de Brito, o Raibrito, morto aos 27 de novembro de 2012, quando resolveu dar descanso eterno ao corpo que, durante 92 anos, serviu de abrigo físico ao espírito iluminado pela inteligência generosamente compartilhada com quem o procurava em busca de conhecimento.

A casa de Raibrito e dona Dinorá, também de saudosa memória, situa-se no Alto de São Manoel, na rua que leva o nome do viajante Henry Koster, autor de "Travels in Brazil" ou "Viagens ao Nordeste do Brasil", na tradução interpretativa de Luís da Câmara Cascudo.

Lá e no "anexo" adquirido no mesmo logradouro, as paredes, inclusive as dos quartos e de boa parte da cozinha, são cobertas de prateleiras onde repousavam milhares de livros e documentos meticulosamente colecionados durante décadas.

As pastas de papelão reciclado, dispostas em ordem alfabética, foram fabricadas pelo próprio instituidor do acervo e por seu fiel escudeiro, sobrinho/filho, Marcos Oliveira.

Contribuí certa feita com meia tonelada de jornais que a Fundação Municipal de Cultura, entendendo que os periódicos e livros antigos enfeavam a Biblioteca Ney Pontes Duarte, vendeu para uma sucata então existente na avenida Rio Branco, ao lado da praça da Estação das Artes, lugar originário da feira do Vuco-Vuco.

Alertado por denúncia anônima chegada à redação do O Mossoroense, eu e o repórter fotográfico Luciano Lellys localizamos o acervo e o compramos. Trinta anos de história custaram-nos R$ 12,00, o mesmo valor, segundo o sucateiro, da negociação com o município.

Isso, os jornais. Os livros tiveram o destino das bruxas na Inquisição: a fogueira da ignorância acesa no descampado que havia por trás do Museu Lauro da Escóssia.

Lembro-me como se fosse hoje: carregamos uma camioneta fretada e entregamos tudo na casa de Raibrito, afinal ninguém melhor que ele para ser o guardião das relíquias.

Dona Dinorá, espantada com a quantidade de papel, não se conteve: "Cid, pelo amor de Deus, o que é que você tem contra mim?". Rimos muito deste episódio, pois, de fato, os dois imóveis do casal estavam abarrotados de papéis.

Ele foi sem dúvida a maior fonte para jornalistas, estudantes e pesquisadores do Rio Grande do Norte. Sempre recebeu a todos com carinho e generosidade, sem pedir nada em troca, embora a manutenção daquele patrimônio da maior relevância e utilidade pública corresse às expensas de sua minguada aposentadoria.

Meu amigo, a quem conheci ao lado do memorialista Raimundo Nonato da Silva, na década de 1980, aqui na redação do jornal, deixa além da saudade uma lacuna que jamais será preenchida. Raimundo Soares de Brito, Raibrito, era mais que um homem, mais que um sacerdote da História, era o próprio oráculo, o Oráculo de Mossoró.

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