sábado, 29 de maio de 2010

Para Natacha



Pretendia escrever sobre a moça de azul, aquela de azul na roupa, de azul nos olhos, de azul na cuca. O problema é que toda moça de azul tem namorado roxo, de ciúme, detalhe lastimável, mas convincente o bastante para mudar o rumo da prosa. Natacha, pelo menos, não deve me causar problemas, digo “não deve” porque, sinceramente, não a conheço, nem sei se ela existe e, se existe, se é nova, velha, alta, magra, feia, bonita.

Talvez esteja na casa dos “inta”, daí para frente, porque a indicação “P/ Natacha” escrita em grafite, com uma letra alta, magra, quase gótica, encontra-se abaixo de “Ao Leitor”, título do primeiro poema de As Flores do Mal, obra-prima de Baudelaire, e a edição a que me refiro é de 1985. Comprei-a faz seis anos, no Sebo Vermelho, por quinze reais ou “Quinze contos”, como diz Abimael Silva, proprietário do estabelecimento.

Para os que apreciam a análise do comportamento humano, construindo imagens acerca das pessoas, a partir de sinais aparentemente sem importância, os livros usados têm significado muito especial, porque neles estão as marcas, conscientes e inconscientes, feitas pelos antigos leitores. São grifos, anotações, rabiscos, dobraduras e até aquele aspecto amarelado que certas páginas adquirem, por serem mais frequentadas do que outras.

Assim encontrei Natacha. Além da dedicatória a ela, há uma assinatura ilegível, que se repete na folha de autógrafo e no sumário, o desenho de um bichinho esquisito, na página 449, e o destaque ao nome de Creso, rei da Lídia, cuja riqueza inspirou a frase “Tão rico quanto Creso”. O último proprietário também destaca os poemas “Epígrafe para um livro condenado”, na página 457, e “A Eugène Fromentin”, na página 565.

Não consigo definir o que se pretendia no tocante a Natacha, compará-la com a mensagem ou apenas avisá-la de que o pecado vicia, de que “... adoráveis remorsos sempre nos saciam”, de que “Impomos alto preço à infâmia confessada”, e de que “É o diabo que nos move e até nos manuseia!/ Em tudo o que repugna uma joia encontramos;/ Dia após dia, para o Inferno caminhamos,/ Sem medo algum, dentro da treva que nauseia”.

Há quem não se sinta provocado por coisas dessa natureza, mas eu, Escóssia da gema, trago a inquietação e a curiosidade destacadas na herança genética. Quem será Natacha? Ainda vive? Mora onde? Faz o quê? É flor do bem ou do mal? Veste-se de azul ou prefere verde, vermelho? Se alguém souber do paradeiro dela, da Natacha cuja memória habita o meu exemplar do livro de Baudelaire, por favor, avise-me com urgência.

Um comentário:

Sulla Mino disse...

Ainda nada de Natacha...??? He he he.
Caro Cid, como sempre, é um prazer enorme vir por aqui.

Bjks,
Sulla Mino