sábado, 5 de setembro de 2009

“Homem estupra menina com o dedo”



A advogada Marlene Otto Kummer telefonou-me certa vez, danada da vida. O Mossoroense estampara na capa o título “Homem estupra menina com o dedo”. Se não dizia exatamente assim, tinha esse sentido, e foi escrito pelo editor da época, Gilberto de Sousa, hoje na Gazeta do Oeste, que montara estratégia baseada em manchetes policiais fortes buscando tirar o jornal do ostracismo.

Tempos ruins, de vacas esqueléticas. Hoje, a cúpula palaciana boicota aberta, vergonhosa e impunemente a Rede Resistência, excluindo-a dos mapas da propaganda oficial, mas não consegue inviabilizá-la. Naquela época, além da baixa circulação, sofriam-se os efeitos da sanha dos governos municipal e estadual que, na base da ameaça direta, afastava até mesmo anunciantes privados.

A empresa amargou o maior boicote de sua história por defender quem agora a persegue por não conseguir silenciá-la nem com 30 dinheiros públicos. Ironia do Destino! O episódio é famoso, tornando desnecessária a exposição de detalhes. Registre-se apenas que, embora oprimido pelos poderosos de plantão, fecha não fecha, o velho diário impediu que o seu atual algoz acabasse esmagado.

Por outro lado, a polêmica ajudou. A briga, na qual se disse o que ninguém ousava pronunciar, por medo, e a estratégia policialesca do mestre Giba deram sangue novo ao periódico falido. As manchetes de crimes e acontecimentos bizarros, segundo o saudoso Luiz Cavalcanti Filho, impulsionavam as vendas de assinaturas e de exemplares avulsos nas bancas e pelas mãos dos jornaleiros.

Entre as pérolas da fase desesperadora, quando atrasos salariais alcançavam três meses, veio a tal menina que o sujeito estuprou com o dedo. Marlene Otto, leitora fiel e atenta, estava indignada com a frase. “Não existe estupro com o dedo!”, falou-me ela com jurídica razão, pois a ocorrência do referido crime, antes da última reforma do Código Penal, exigia penetração de pênis em vagina.

O simpático carão de Marlene entrou para o anedotário da casa. Acaba de ser lembrado porque o atentado violento ao pudor, crime do qual foi vítima a jovem da notícia, incorporou-se ao tipo penal do estupro, com a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Na ótica contemporânea, dedos podem consumar o estupro. O selinho que o turista italiano deu nos lábios da filha, em Fortaleza, estão jurando ser estupro. A polícia alencarina interpreta assim. Tudo é estupro. Homem pode ser estuprado. Mulher pode estuprar. Até parece que Giba furou o Código Penal com seu grande faro de repórter. Eita-pau, será que esse tipo de furo também é estupro?

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