sábado, 13 de junho de 2009

Noite dos namorados



O restaurante superlotado. Chuva, muita chuva lá fora. Pessoas molhadas esbarravam-se em busca de lugares secos e menos inconvenientes ao fluxo dos garçons que vararam a multidão com bandejas prateadas. Os dois estavam lá, sentados em cadeiras de plástico azuis postadas defronte aos banheiros, conversando sobre viver intensamente, como se aquela fosse a última noite dos namorados.

Pediram vinho da Toscana, brindaram e beberam em seguida, para afastar a maldição dos sete anos. Beijaram-se logo depois. Ela sorria apertando os olhos e cobrindo a boca com os dedos entreabertos da mão esquerda. Ele arreganhava os dentes sem o menor pudor. Curiosos os cercavam com olhos grandes e gordurosos, não se sabe se por inveja doentia ou mero alumbramento romântico.

O tempo passou. A chuva passou. A multidão se foi. Vagou mesa. Escolheram o jantar. Peixe ao molho de abacaxi. E peixe ao molho quatro queijos. Acenderam duas velas em forma de coração. Brindaram outra vez. Trocaram presentes. Poema dele para ela. Poema de Fernando Pessoa levado por ela para ele. Este impresso num travesseiro vermelho. Aquele gravado numa camisa branca.

O fogo brando do vulcão antigo, completamente, alucinadamente, perdidamente rendido aos apelos das uvas fermentadas, sentia pressa em se fazer carne suor dedos línguas orgasmos gritos. O mundo poderia se acabar na ponta do punhal de Jararaca antes de o dia cobrir de luz o rosto escuro da madrugada de Mossoró, mas o amor, diria Drummond, “É primo da morte, e da morte vencedor”.

Passava da meia-noite quando as taças se aquietaram. As velas, em dois sopros, pararam de iluminar as refeições quase intocadas, os talheres, os rostos. Os olhos permaneciam vivos. Pagaram a conta e até gratificaram o garçom com os últimos trocados arrancados de seus bolsos. Aí, saíram de mãos dadas, desafiando em grego a imaginação fértil da plateia, nas estrofes de um choro bandido.

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá Cid!
Trabalhei no jornal O Mossoroense, entre 2000 e 2001. Na época eu era recém-formada em Jornalismo e você sempre aparecia pela Redação ou ligava da capital opinando nas pautas. Lembro-me que certa vez você falou para Pedro Carlos que uma árvore (acho que era uma timbaúba ) havia sido arrancada em Mossoró e um artista, para 'perpetuar' aquela árvore caída ao chão, fez dela um palco; preservando a forma do tronco.
Bem, o palco foi utilizado num barzinho da Festa de Santa Luzia em 2000 e nele os artistas da terra cantavam e declamavam poesias, inclusive, relembrando a história da árvore que a arte daquele artista não deixou morrer...Eu fui indicada por Pedro para fazer a matéria, aliás, quando algo era ligado a cultura ou as causas sociais, lá seguia Anna Jailma...Velhos tempos.
O Mossoroense foi minha segunda escola. Grande abraço pra todos.

Sulla Mino disse...

Estou arrepiada caro amigo Cid. É sempre um prazer enorme vir por aqui, me acalentar nas tuas palavras, me acalmar do mundo lá fora. Enamorados...me fez lembrar de alguma cena em Veneza...Bjks,

Canto de Página disse...

Pois volte sempre, Sulla.

Cid

Canto de Página disse...

Oi, Jailma, obrigado e tudo de bom para você também.

Cid